No fim dá certo…

Por Roberta Machado

A digitalização da obra do Sabino no meio da pandemia foi um símbolo importante da busca da editora por movimentar as vendas digitais no momento em que boa parte das livrarias físicas estava fechada.

Descobri recentemente que a Alexa, o “smart speaker” da Amazon, tem ótimo gosto para a leitura. Quando perguntada sobre seu livro preferido, ela responde prontamente “O Encontro Marcado”, de Fernando Sabino. Para entendedores dos direitos autorais de Sabino essa resposta soava provocação. E era. Entre os principais autores brasileiros distribuídos pela Record, Sabino era o único ainda sem direitos digitais. Muitos fantasmas assombravam os herdeiros, mas os principais eram as dúvidas sobre precificação, os receios de o e-book canibalizar o livro impresso e a sensação de maior risco de pirataria.

O incômodo com a ausência do autor no catálogo do kindle foi tanto que a Amazon enviou uma delegação à Juiz de Fora para conversar com os herdeiros do mineiro. Deram um kindle de presente, tiraram dúvidas sobre o projeto digital, apresentaram propostas e tentaram captar diretamente o contrato em troca de generosos royalties. Nada feito. A obra de Sabino continuou restrita aos livros impressos. Até que a pandemia do Covid-19 deu uma boa chacoalhada nas vendas digitais e finalmente foi possível convencer a família.

A digitalização da obra do Sabino no meio da pandemia foi um símbolo importante da busca da editora por movimentar as vendas digitais no momento em que boa parte das livrarias físicas estava fechada. Embora o varejo online de livros impressos estivesse crescendo de forma impressionante, a demora dos correios e o desconforto com o recebimento de pacotes poderia não dar conta da procura por leitura na quarentena. Era preciso fazer o digital dar uma boa decolada e rápido.

Disponibilizar os principais livros nos dois formatos (ou três, incluindo audioooks) é o primeiro passo para melhorar o desempenho da venda digital. Se o leitor percebe que o catálogo digital é mais fraco que o impresso, ele cria um preconceito perigoso e não fica “freguês”. A Amazon tem sido uma boa parceira da editora nesse ponto. Ela usa indicadores que medem a parcela não digitalizada e acompanha esses números regularmente, sempre sugerindo prioridades. No caso da Record, além do Sabino, tínhamos um grupo de 50 livros importantes sem direitos digitais que precisávamos atacar logo no primeiro mês da pandemia. Um desses livros, por exemplo, vendeu 350 unidades em menos de um mês, logo que conseguimos os direitos e subimos o e-book, evidenciando a demanda reprimida por esse formato.

Além do trabalho de engordar o acervo de e-books, percebemos que era importante investir mais em divulgação nas nossas redes sociais (e nas redes de autores-influenciadores). Na Record, por exemplo, escolhemos um dia na semana em que nossa divulgação em redes sociais é 100% focada em digitais. Acho que todo mundo notou a partir de março a proliferação nas redes das editoras daqueles anúncios de capas de livro estampadas na tela de um e-reader, lembrando que esse formato era uma opção. Foi muito bacana também o uso de posts mais didáticos, explicando como comprar e como ler em e-books, lembrando que não era necessário, por exemplo, ter um e-reader próprio para isso, uma dúvida bem mais comum do que se imagina. O mesmo valeu para os formatos em áudio, que também passaram a ser mais procurados.

Ainda no campo da divulgação, outra boa lição foi o uso de cupons de e-books e audiobooks em sorteios e em eventos (que têm sido somente digitais por enquanto), em vez do tradicional envio de exemplares bonificados. Mais do que uma opção pela praticidade, essas doações visam ampliar o hábito da leitura digital. Com esse mesmo espírito, incluímos um novo lote de 100 títulos para a plataforma Kindle Unlimited, da Amazon. Embora controversa entre editores, entendemos a KU como uma ferramenta de divulgação e de desenvolvimento de hábito da leitura. Durante a pandemia, o número de assinantes decolou e entendemos que seria um bom momento para incluir primeiros volumes de séries e outros livros que são porta de entrada de autores importantes.

Por fim, depois de cuidar melhor do acervo e da divulgação, entendemos que era necessário atuar de forma mais inteligente na precificação. E-books vêm substituindo as vendas de pocket books mundialmente. Ou seja, aqueles leitores que buscavam um produto mais barato em formato mais leve hoje migraram para o digital e são bem mais sensíveis a preço. Mas preço de livro é tema muito delicado, não se enganem. Boa parte da crise das livrarias decorre da não atualização dos preços dos livros ao longo dos últimos anos. Portanto, sempre tivemos receio de embarcar nas loucuras propostas pelos sites para captar vendas a preços de banana. Procuramos manter os e-books entre 20% e 30% mais baratos que o valor de capa do impresso. A pandemia forçou que ampliássemos ofertas do tipo de R$4,90, R$9,90 ou mesmo as gratuidades divulgadas pelos próprios autores, nas lives da vida. Mas para além das promoções da pandemia, reconhecemos, pelo menos na Record, alguns desajustes nos preços de capa de livros digitais e começamos a corrigi-los pontualmente, com a grata surpresa de uma boa resposta em venda. Com tudo isso, colhemos bons frutos no faturamento dos últimos meses, quase dobrando nossa média mensal. Acho que o Sabino nos deu sorte. Seu otimismo gaiato deu uma injeção de ânimo na equipe editorial, que amou converter, entre outros livros, o título ‘No fim dá certo’, que imortalizou uma máxima perfeita para terminar esse artigo, e que circula pela internet e que é realmente de autoria de Sabino: “No fim dá certo. Se não deu, é porque ainda não chegou ao fim”.


Roberta Machado é vice-presidente e sócia do Grupo Editorial Record, onde trabalha há 15 anos. É mestre em Administração de Empresas pela COPPEAD – UFRJ e bacharel em Economia pela Puc-Rio, onde também cursou um MBA em Marketing. É membro da diretoria do Snel desde 2015. Antes de ingressar na editora fundada pelo seu avô há 77 anos, Roberta trabalhou 5 anos na Shell Brasil.

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