Por Celso de Campos Jr.
Afinal, na geladeira do tempo, o digital é a arte de conservar o presente… para o futuro.
Em 1940, o cronista Osvaldo Moles dedicou uma de suas colunas na Folha da Noite para falar da importância da fotografia para a memória de cada um de nós – um espelho imóvel que guarda, por muito tempo, nossa imagem refletida. “O passado está ali, flagrante, objetivo, em fatias de papelão com as quais se pode recompor toda a história física de uma vida.”
Naquela época, claro, os retratos eram tirados apenas por profissionais, devidamente apresentados e classificados por ele no texto em questão. Os acelerados fotógrafos do Viaduto do Chá, que corriam atrás dos transeuntes para oferecer-lhes seus serviços; os requintados fotógrafos da Avenida São João, em seus estúdios chiques e figurinos exagerados; e os arcaicos e demorados fotógrafos do Jardim da Luz, cujas máquinas, de acordo com o cronista, pareciam vir de túmulos egípcios. “É um espetáculo ver uma família inteira tirando um ‘instantâneo’, que, geralmente, leva uma hora.”
Com sua inimitável verve criativa, Moles cunhou naquelas linhas uma genial definição que nunca mais saiu da minha cabeça: “A fotografia é a arte de conservar, na geladeira do tempo, o presunto do passado”.
Divido-a agora com os amigos e clientes da Bookwire para, com a devida licença, acrescentar que não é apenas a fotografia que tem o efeito de eternizar uma pessoa, um momento ou um acontecimento. Vejam que, apenas com algumas das palavras de Osvaldo Moles, fomos magicamente remetidos a uma realidade que já há muito deixou de existir em São Paulo. E isso, como jornalista e editor, sempre me levou a outra questão: como conservamos as fotografias, os textos e as histórias que fazem parte de nossas vidas, como indivíduos e sociedade?
E por conservar, não digo apenas armazenar, mas principalmente manter vivas, deixando-as à disposição de todos, a qualquer momento, em qualquer lugar. Somos todos fãs das “fatias de papelão”, e, por extensão analógica, também das “folhas impressas encadernadas e refiladas” – vocês sabem de quem estou falando… ؘ–, a mais bela forma de partilha de conhecimentos e experiências já inventada pelo ser humano. Mas, tal qual o próprio ser humano, é preciso admitir que ambas esbarram no limite físico.
E é por isso que meus olhos brilham com a entrada gradual das obras da Garoa Livros no catálogo de distribuição da Bookwire, tornando o conteúdo de nossos autores – Osvaldo Moles incluído! – acessível de forma verdadeiramente instantânea em cada cantinho do planeta. “Já não era sem tempo!”, dizem meus colegas de mercado, no que eles estão corretos. Mas é que há editores do Viaduto do Chá, há editores da Avenida São João e há editores do Jardim da Luz, como este que vos fala. O que vale é que, cedo ou tarde, todos chegaremos ao mesmo lugar. É inevitável.
Afinal, na geladeira do tempo, o digital é a arte de conservar o presente… para o futuro.
Celso de Campos Jr. nasceu em São Paulo em 1978. Formou-se em Jornalismo pela Cásper Líbero e em História pela USP. Em meados da década de 2000, passou a atuar também no mercado editorial. Escreveu, entre outras obras, “Adoniran – uma biografia”, “100 Senna”, “1942 – O Palestra vai à guerra”, “Pelão – A revolução pela música” e “As joias do Rei Pelé”. É editor da Garoa Livros.