Por Nathan Matos Magalhães
Quando a Pandemia em que vivemos chegou, estávamos tão preocupados como o setor se manteria, como venderíamos nossos livros que, em certo momento, esquecemos dos livros digitais
Lá no início, quando eu ainda estava dando os primeiros passos no mundo da edição, eu era contra os e-books. Pois é, inocente que era, acreditava naquela falácia de que prejudicariam, de alguma forma, os livros impressos. Com o tempo, e em pouco tempo (ainda bem), compreendi que, na verdade, os e-books poderiam ampliar o alcance das obras que eu editava. Foi com essa mudança de mentalidade que acabei fundando minha editora e, desde o início, tinha em mente que todo o meu catálogo impresso deveria ser também distribuído no formato digital.
Pois bem, 5 anos depois, consegui boa parte do que almejava. Vi, e ainda vejo, muitos dos livros que editei chegando em locais que não seria possível se só tivéssemos os impressos. Além disso, aprendi que, com uma boa divulgação, lançando os dois formatos de maneira paralela, era possível ter um crescimento nas vendas, ou seja, ao contrário do que eu acreditava, o e-book veio para contribuir até nas vendas dos livros impressos. Não era ele um inimigo, mas um aliado.
No entanto, nem tudo são flores. Muitos dos livros digitais que produzimos acabaram não se pagando tão rapidamente. Alguns tiveram tão poucas unidades vendidas que até hoje não se pagaram. Quando eu comentava isso com algum amigo ou amiga editora, era questionado por qual motivo, então, eu permanecia convertendo praticamente tudo que eu lançava em formato impresso. Minha resposta sempre foi a mesma: o livro digital tem a facilidade de chegar em lugares que não consigo chegar com o impresso, e porque eu, realmente, acredito que, aos poucos, bem aos poucos, isso vai se tornar algo tão comum que vai ser bom estar preparado.
Esse início é fundamental para dizer que, quando a Pandemia em que vivemos chegou, estávamos tão preocupados como o setor se manteria, como venderíamos nossos livros que, em certo momento, esquecemos dos livros digitais. Sim, esquecemos porque, infelizmente, representavam uma fatia menor dentro do nosso faturamento. No entanto, eis que algo aconteceu. Enquanto várias editoras não tinham praticamente nenhum livro convertido para o digital, tínhamos nosso catálogo disponível para os leitores e as leitoras que agora se viam (e ainda se veem) obrigados a ficar em casa. E o que aconteceu? A leitura no formato digital passou a ser mais convidativa talvez. Não me perguntem os motivos, não saberei dizer, mas aquela pequena fatia começou a tomar corpo e o que vi nos últimos 12 meses foi um crescimento, em alguns meses de 5 ou 6 vezes mais do que vendíamos antes, um aumento médio anual de 250% nas vendas dos nossos e-books. Eu fiquei abismado com isso.
Abismado porque não compreendia muito bem esta “virada” em um momento tão infeliz em nossas vidas, ao mesmo tempo passei a compreender que, sim, a literatura, assim como outras artes, seria a fuga para muitas pessoas que, em muitos casos, poderiam não ter dinheiro suficiente para comprar livros impressos ou porque, talvez, ali, na palma da mão, poderiam conseguir entrar em qualquer mundo possível a partir de alguns segundos e alguns cliques.
Enquanto isso acontecia conosco e, ainda bem, vem acontecendo, muitos amigos e amigas editoras começaram a correr atrás do tempo perdido, não sabiam como proceder quanto ao formato digital, a quem procurar, como distribuir, qual valor médio de mercado a ser vendido, entre outras coisas. Ajudei como pude, e indiquei a algumas pessoas, quando percebi certo crescimento nas nossas vendas em 2020, que seria bom tentar converter seus livros curva A, no sentido de agregar algum faturamento em um momento tão difícil para o setor livreiro, principalmente pequenas editoras como a minha.
Atualmente, vejo que o estar preparado lá atrás, acreditando que o mercado, em algum ponto, aceitaria melhor o livro digital, foi uma boa escolha, no sentido em que contribuiu para que estivéssemos preparados para algo que nem imaginávamos que poderia acontecer, uma pandemia. A verdade é que continuamos sem estar preparados para ela, mas, em meio a tantas agruras e infelicidades, ter acredito no formato digital no começo da editora, de pensar no catálogo sendo possível em dois formatos, nos ajudou a passar por alguns meses em que as vendas dos livros impressos chegaram a cair cerca de 90%. Ao mesmo tempo que a Pandemia nos fez rever nossas prioridades, ensinou bastante coisa às pequenas casas editoriais; desde a se transformar no marketing digital até a abrir novos caminhos para aumentar suas vendas, apostando no livro digital. Espero, mesmo, que não precisemos sofrer tanto uma outra vez para tentar mudar o mercado editorial brasileiro, seja ele referente ao livro impresso ou ao e-book.
Nathan Matos Magalhães é formado em Letras Português pela Universidade Federal do Ceará, mestre em Literatura Comparada e Doutor em Literatura Modernas e Contemporâneas. Fundou, ao lado de Camila Araujo, a Editora Moinhos em 2016.