Por Spencer Toth
O Audiobook não é mais somente um instrumento de inclusão de deficientes visuais, mas sim uma experiência imersiva de lazer, conhecimento e cultura
No centenário do rádio na civilização, temos ouvido regularmente que essa tecnologia se transformou e superou barreiras.
Principal meio de entretenimento do século passado, o rádio foi dito sentenciado à morte com o surgimento da televisão. Mas não foi bem isso que ocorreu. O surgimento das Frequências Moduladas (FM) tornaram o espectro da tecnologia mais atraente e o rádio que antes era utilizado principalmente para transmissões esportivas e notícias passou a ganhar um espectro novo de entretenimento, passando a tocar músicas e tendo cortes de diversão.
Isso significa que tecnologias muito frequentemente precisam se reinventar para manterem-se atraentes e/ou crescerem.
Na década de 1970, surge no Brasil o primeiro conceito de Audiobook, denominado “livro falado”. Seu objetivo era de auxílio, acessibilidade e inclusão para pessoas com deficiência visual. Assim, tratava-se de uma categoria muito específica de produto, para um mercado consumidor bastante restrito. O restante da população utilizava o livro físico como meio de lazer.
O surgimento e popularização da informática, internet e da virtualidade como meio de entretenimento (jogos, streamings, etc) repercutiram em um novo impacto para as tecnologias já existentes.
A sedutibilidade desse novo veículo aliada à popularização fez com que toda uma geração fosse denominada “C”, de conectada. E dessa geração “C”, propensa a velocidade e dinamismo nas relações, surgiu a geração “144 caracteres”.
Essa geração entendeu que para uma eficaz comunicação, textos devem ser limitados a tal número reduzidíssimo de caracteres para que esse público alvo seja atingido (em verdade, tenha paciência de ler a mensagem)
A nova geração prefere pesquisar em veículos como Youtube e TikTok para obterem as informações que querem. O impacto disso? As novas gerações lêem cada vez menos e aumenta o conceito de conteúdo de transmissão passiva.
E é aí que entra o título deste artigo. Os livros escritos estão cada vez menos populares nas novas gerações e a leitura de papel tem perdido espaço. Logo, tornou-se fundamental o repensamento do mercado editorial. A resposta mais popular encontrada? O Audiobook 2.0.
Chamo de Audiobook 2.0 porque, como profissional da voz há 19 anos, narrador de audiobooks nas principais editoras mundiais, produtor de audiolivros em meu estúdio (ptBR Voice Solutions) e consumidor ávido pela cultura, identifico que uma nova fórmula para Audiobooks pode ser um enorme sucesso e deve (re)conquistar o público mais distante e mais conectado se levar em consideração os novos paradigmas do entretenimento ouvido: o Audiobook não é mais somente um instrumento de inclusão de deficientes visuais, mas sim uma experiência imersiva de lazer, conhecimento e cultura.
A leitura flat proposta pelo “livro falado” normalmente não seduz o mercado comum por ser pautada por uma não interpretação do texto e apenas uma leitura branca para não influenciar a forma de compreensão do leitor. Assim, o uso de apenas um tom de voz, sempre o mesmo volume e sempre a mesma velocidade tornam a leitura repetitiva.
Enquanto no passado a leitura era branca e sem interpretação por conta de ser um veículo de inclusão – considerada monótona por alguns -, hoje o mercado editorial busca leitura interpretada e leitores capazes de tanto. Aliás, inclusive as pessoas com deficiência visual preferem leituras com mais personalidade.
Ressaltemos que falamos de leitura interpretada. Não devemos confundir a leitura interpretada com a leitura dramatizada. Nem todas as obras admitem uma interpretação dramatizada. Voltaremos à questão da dramatização adiante.
A leitura interpretada, também por nós denominada de “leitura colorida” é a aquela que se preocupa em criar estímulos regulares ao ouvinte, soando mais íntima do destinatário a partir do uso de recursos como “velocidade de leitura”, “volume da leitura”, “pausas/silêncios”, “variação de tom de voz” e “ênfases em palavras”.
Nossos cursos e nossas produções buscam sempre sensibilizar o narrador a utilizar de tais técnicas para melhorar a proximidade com o ouvinte-leitor e tornar a experiência dinâmica e interessante.
Independentemente do gênero da obra, seja técnica, seja biográfica ou seja ficcional, é fundamental que haja uma variação constante na leitura. Assim, a ptBR entende que o narrador de qualquer Audiobook deve ser um profissional capaz de alternar agudos, médio e graves, aumentar e diminuir a velocidade de leitura, falar mais ou menos alto dependendo da situação em que a narrativa se encontra, bem como fazer adequadamente pausas e valorizar palavras centrais da mensagem.
Como uma música, uma narração é composta de todas as nuances de beleza da mensagem. Afinal, um narrador não está lendo para si, mas para um público consumidor.
Bons narradores tornam-se ótimos narradores se aprendem e se sensibilizarem com as diversas particularidades da Teoria da Voz e da Comunicação. A narração não pode ser uma mera leitura de palavras. O narrador não pode exercer uma função mecânica de ir se livrando de palavras, páginas e capítulos: deve haver um compromisso com a transmissão da informação. E a ferramenta para exercer adequadamente essa função é a interpretação correta.
Assim, um narrador dinâmico, capacitado a promover as variações, pode transformar uma leitura simplória numa experiência que mexe com o leitor-ouvinte.
A dramatização, por sua vez, é algo mais intenso e que é adicionado à interpretação. Trata-se da alternância de forma de leitura de personagens mais importantes, a leitura com emoção, a marcação e diferenciação de vozes das personagens principais, a leitura que segue literalmente as orientações do narrador (“sussurrou ele”, “gritou ela”, “disse ela irritada”, etc), a colocação de energia específica de acordo com a cena e assim por diante. Leituras dramáticas são colocadas em livros de ficção, logicamente.
Um livro agora passa a poder ser consumido de duas maneiras: a leitura ativa pelo leitor com sua interpretação própria e sua própria voz de cabeça e a leitura passiva a partir de uma interpretação (dramática ou não) e leitura de um narrador profissional, que normalmente dá, em sua leitura, sentidos diversos daqueles que uma leitura própria daria – e às vezes diferente até do que o próprio autor idealizou como uma vez me confidenciou Andre Vianco ao comentar minha narração de Os Sete.
Enfim, o Audiobook 2.0 tem força revolucionária no mercado: o formato continua servindo para inclusão, ele duplica a forma de consumo de um conteúdo regular, ele entrega ao leitor regular uma nova forma de consumir um produto pela experiência e imersão e ele traz para o mercado editorial o leitor mais jovem que demanda algo mais passivo e dinâmico. Mas isso se a leitura e a narração forem feitas adequadamente e de modo sensibilizado, uma vez que como em todo o segmento de mercado de voz (incluindo dublagem, localização de jogos eletrônicos e locução), uma má experiência estigmatiza o produto e afasta em definitivo o consumidor.
Spencer Toth, é dublador, locutor, ator em voz e diretor artístico com 19 anos de experiência. Entre suas narrações, destacam-se a trilogia Ruff Ghanor (Jovem Nerd), A cor que caiu do céu (Iluminuras) Beowulf (Storytel Original). Assina produções para Bookwire, Storytel e Audible, através da ptBR Voice Solutions, estúdio do qual é co-proprietário.