Alea jacta est

Por André Luiz Martins Tiba

O ano é 49 a.C. Júlio César, o conquistador da Gália, rodeado por suas legiões, hesita. O Senado de Roma, temendo um golpe, proibira que qualquer general e seus exércitos cruzassem o Rubicão. Mas, após algumas horas de meditação, profere a célebre frase “Alea jacta est”, cruza o rio e lidera a marcha para Roma. Ao cruzar o rio, o futuro imperador sabia que essa decisão, uma vez tomada, não mais teria volta. E fez-se a história.

Mais de vinte séculos se passaram e o mercado editorial viu-se prostrado, hesitante, da mesma forma, perante o “rio”. Porém, desta vez, não se tratava de uma fronteira física. Nosso “Rubicão” era uma fronteira virtual, um point of no return. E ao lançarmos o primeiro livro em formato digital, “a sorte estava lançada”. Ao cruzarmos essa fronteira, sabíamos que não teria mais volta.

Como toda nova tecnologia, o E-book incomodou um mercado sólido e consagrado. Lembro-me do lançamento do primeiro Kindle, em 2007! Os rumores se dividiam entre a morte do livro de papel, a descrença e a ridicularização do formato anunciado. Mas o livro digital percorreu um longo caminho, sofreu alterações de forma e conceito, até atingir a versão mais bem-acabada que existe hoje. Aos poucos, conquistou o seu espaço. Lembro-me, também, nesta última década, de quantas vezes fora anunciada a “morte” do livro físico.

Tenho formação jurídica. Sou advogado e atuei na área penal por um bom tempo antes de migrar para o mundo editorial. No mundo jurídico, reinam os livros. Não existe um escritório de advocacia que não tenha estantes e mais estantes, lotadas de livros. Coleções, LEX, jurisprudências etc. Quem é da área sabe o quão necessárias e decorativas são essas estantes.

Na década de 1990 – a década do disquete e dos primórdios da conexão discada –, fui um dos pioneiros na utilização dos recém-criados bancos de dados digitais de legislação e jurisprudência. Apesar de confusos, nada intuitivos e tecnicamente falhos, eles facilitaram a minha vida e despertaram um sonho: de que um dia, a tecnologia evoluísse de forma que eu pudesse ter acesso fácil a milhares de livros em um aparelho só. E esse dia chegou!

A Integrare, fundada há 15 anos, é uma editora que foi criada com o propósito de atender um nicho específico: o do autor-palestrante. E, para tanto, nos especializamos em atender as suas necessidades, mas, por ter crescido no reinado do papel, tínhamos certo receio do ainda novo mercado digital.

Há até poucos anos, estávamos tranquilos na zona de conforto proporcionada pelo supostamente imbatível livro de papel. Acredito que todos os editores, apesar de saberem da inevitabilidade do formato (o Rubicão já foi cruzado!), tratavam o E-book com preconceito. Até com descaso. Quem não teve dúvidas quanto a formato, forma de distribuição e pirataria?

No conforto do nosso arcaico mundo editorial, sempre criamos uma série de impedimentos preguiço-psicológicos para a publicação de E-books.

Mas a evolução é sábia e o futuro chega. Com o advento dos smartphones, apps de leitura dos principais players do mercado, leitores dedicados e o desenvolvimento das tecnologias envolvidas, percebemos o quanto demoramos para abraçar essa importante fatia do mercado editorial.

Em um primeiro momento, tentamos operacionalizar as vendas de E-book de uma forma despretensiosa. Trabalhamos os PDFs, layouts fixos e DRMs pelos próprios livreiros. Sentíamos algum resultado, mas nada que fosse relevante em comparação à venda dos livros de papel.

Percebemos que, contrariando a crença de que “cada E-book baixado seria um livro físico que deixaria de ser vendido”, a venda do digital só impulsionava a venda do físico! Vimos que passamos a atingir um novo público que já estava lá, a postos e apenas esperando para consumir esse formato. E percebemos também a necessidade do aprimoramento das conversões.

Após uma grande pesquisa em 2017, resolvemos fechar uma parceria com a Bookwire, o que, tecnologicamente, foi um divisor de águas para nossa editora.
Hoje, todos os nossos lançamentos são feitos em duplo formato: papel e digital. E com o gerenciamento da Bookwire, fazemos a pré-venda do digital antes da chegada do livro físico da gráfica. É uma jogada de marketing válida e vem apresentando ótimos resultados.

Além das estratégias de lançamento, o E-book nos abre um enorme leque de possibilidades comerciais. A agilidade e facilidade para fazer ofertas e promoções –  que são características do meio digital – impulsionam, não só as vendas no formato, como também as vendas do livro de papel.

O futuro do mundo editorial é a coexistência entre o livro de papel e o digital. Posso garantir que há espaço para os dois formatos, e que o segundo vem crescendo a passos largos nos últimos tempos. Deixar de investir no livro digital, principalmente em tempos de crise, é uma decisão consciente de deixar de faturar.

A barreira digital já foi cruzada. Não tem mais volta. Acredito que, no cenário editorial atual, deixar de se adequar, explorando todos os benefícios e vantagens do formato, não é mais uma opção.


André Luiz Martins Tiba é editor da Integrare Editora.

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