Por Karine Pansa
Essa transformação digital demonstra o potencial de abraçar avanços tecnológicos para diversificar e ampliar os portfólios editoriais.
Em 1º de janeiro de 2023, assumi o cargo de Presidente da Associação Internacional de Editores (IPA), após atuar como Vice-Presidente durante os dois anos anteriores.
Para os leitores que ainda não conhecem a IPA, trata-se da maior federação mundial de associações de editoras, com 101 membros, representando 81 países. Fundada em 1896, a IPA foi construída sobre dois pilares fundamentais: a promoção dos direitos autorais e a liberdade de publicação—princípios que permanecem no centro de nossa missão. Além disso, a IPA discute também temas como livros didáticos, sustentabilidade, diversidade e inclusão, dados e estatísticas, e acessibilidade.
O trabalho da IPA é voltado principalmente no desenvolvimento de políticas públicas locais, para o compartilhamento de informações entre editores de todo o mundo, bem como para a interação com organizações governamentais internacionais, como as Nações Unidas(ONU), a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), a UNESCO e a OCDE.
A associação é extremamente diversa, representando mercados editoriais de diferentes tamanhos e composições, operando sob marcos legais variados que podem ou não apoiar o desenvolvimento dos livros digitais. Em alguns países, o setor de livros didáticos domina o mercado, representando mais de 85% das receitas, enquanto outros apresentam uma mistura mais equilibrada entre o trade, didáticos e acadêmico.
O mundo dos e-books: Oportunidades e Desafios
No campo dos e-books, a IPA concentra-se em várias áreas fundamentais:
- Promoção dos Direitos Autorais: Muitos países ainda não possuem leis de direitos autorais atualizadas que protejam adequadamente as obras de autores e editores no ambiente digital. Esses mercados, frequentemente marcados por altos índices de pirataria física, poderiam se beneficiar enormemente de um mercado digital forte, capaz de superar desafios estruturais. A IPA apoia seus membros locais no trabalho com formuladores de políticas públicas para garantir a implementação de regulamentações eficazes.
- Acessibilidade: Os formatos digitais desempenham um papel crucial em tornar os livros mais acessíveis para leitores com deficiência visual e outras deficiências. Cada vez mais, os editores têm convertido seus catálogos para formatos acessíveis, movidos tanto por questões éticas quanto por requisitos legais, como o Tratado de Marrakesh e o Ato de Acessibilidade Europeu. Esse movimento tem acelerado a produção de obras acessíveis e impulsionado melhorias nas ferramentas utilizadas pelos editores para cumprir essas obrigações.
Como Presidente da IPA, sou frequentemente questionada sobre o impacto dos e-books em nosso mercado. Os editores sempre demonstraram grande capacidade de adaptação às novas tecnologias, buscando atender às preferências dos leitores—seja por meio de livros físicos, audiolivros ou formatos digitais. No setor de didáticos, embora a pandemia tenha acelerado essa transição, muitos editores já estavam se preparando para o digital e essa transição foi muito mais rápida.
- Inteligência Artificial Generativa: A ascensão da IA Generativa tem sido um dos temas mais marcantes durante minha presidência. Embora a IA já esteja transformando certas áreas do setor editorial, a IPA mantém uma posição clara sobre direitos autorais: as plataformas de IA devem ser transparentes sobre os dados utilizados para treinamento e garantir as devidas licenças ao utilizar obras protegidas por direitos autorais. Isso é essencial para assegurar que os direitos de autores e editores sejam respeitados em um cenário cada vez mais digital.
Liberdade de Publicação: Uma Missão Central
É impossível falar sobre o trabalho da IPA sem abordar a Liberdade de Publicação, uma questão vital para o setor editorial. Infelizmente, essa liberdade tem sido cada vez mais ameaçada. Casos como a nacionalização da produção de livros didáticos no México, República Dominicana e Hungria, a proibição de livros em bibliotecas nos Estados Unidos, a classificação de obras como obscenas na Turquia e as ações SLAPPs (processos judiciais utilizados como forma de intimidação, buscando impedir críticas ou investigações por meio de longas e dispendiosas batalhas legais). É imprescindível que o setor se una para resistir a essas ameaças.
O Mercado Editorial Brasileiro e a Transformação Digital da Girassol
No Brasil, o mercado editorial reflete tanto desafios quanto grandes oportunidades, especialmente no campo digital. O Grupo Girassol, juntamente com cinco selos editoriais parceiros—Callis, Amora, Lume, Estrela Cultural e a própria Girassol—tem dedicado investimentos e esforços significativos e já tem em seu catálogo mais de 440 ebooks do seu catálogo disponível. Ao contrário do que muitos imaginam, essa transição vem trazendo resultados expressivos, contribuindo cada vez mais para o desempenho do grupo.
Essa transformação digital demonstra o potencial de abraçar avanços tecnológicos para diversificar e ampliar os portfólios editoriais. Na Girassol, acreditamos que, ao disponibilizar livros em múltiplos formatos, não apenas atendemos às necessidades em constante evolução dos leitores, mas também pavimentamos o caminho para um crescimento sustentável do setor editorial.
Uma Honra em Liderar
Ser presidente desta comunidade editorial internacional, tão diversa e vibrante, tem sido uma honra extraordinária. Fico profundamente inspirada pela resiliência, criatividade e inovação que definem nosso setor enquanto navegamos por tempos em constante transformação.
Karine Pansa é CEO do Grupo Girassol, que engloba cinco selos editoriais (Callis, Amora, Estrela Cultural, Lume e Girassol), todos dedicados à publicação de livros infantis em São Paulo, Brasil.
Karine foi Presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL) por dois mandatos, em 2011 e 2013. Em 2023, foi reeleita para o Conselho de Diretores da CBL, com foco em Projetos Internacionais, atuando para impulsionar a literatura brasileira no exterior e apoiar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas, especialmente os relacionados à alfabetização e ao acesso a materiais de leitura de qualidade.
Em outubro de 2023, Karine foi eleita Presidente da Associação Internacional de Editores (IPA), uma organização global que reúne associações de editores de diversos países. A IPA defende os direitos autorais e a liberdade de publicação, elementos fundamentais para a liberdade de expressão, além de promover a alfabetização e o incentivo à leitura.
Em seu papel multifacetado, Karine Pansa não é apenas uma especialista no mercado editorial; ela é também uma defensora da alfabetização, contribuindo para moldar o futuro dos livros e defendendo os direitos humanos, a conectividade global, a inclusão e a diversidade por meio da literatura.