Nos dias 18, 19 e 20 de março eu e minha colega Joana estivemos no evento voltado para publicações digitais e tecnologia ebookcraft + Tech Forum, uma conferência focada em publicações digitais no mercado editorial. O evento acontece anualmente na cidade de Toronto, no Canadá, e dizem por aí que é mais relevante que o Digital Book World, evento semelhante que ocorre nos Estados Unidos.
O evento se divide em duas partes: nos dois primeiros dias, acontece o ebookcraft, evento mais técnico, voltado para quem trabalha diretamente com E-book e Audiobook. No último dia temos um evento maior, com um público mais abrangente, mas ainda assim focado em tecnologia, chamado Tech Forum.
EBOOKCRAFT
Do início ao fim, o foco do evento foi acessibilidade e inclusão. Como tornar nossas publicações mais acessíveis, como seguir os padrões de acessibilidade estabelecidos pela W3C – inclusive havia no evento um grupo de pessoas com deficiência visual que trabalham junto com algumas editoras e bibliotecas públicas para testar os E-books e Audiobooks. Eles mostraram as dificuldades que nós, enquanto gatekeepers(1), colocamos para que eles tenham acesso ao conhecimento desejado. Tivemos várias oficinas e palestrantes ensinando como fazer um arquivo acessível (uma dica: é essencial que seja um EPUB3 para começo de conversa), como consertar o seu catálogo de backlist que está todo em EPUB2 sem sofrer muito, como incluir no seu fluxo de trabalho esse tipo de produção etc.
Também houve bastante discussão sobre como se fazer um EPUB durável, um arquivo que possa ser reutilizado e atualizado conforme as tecnologias vão mudando. A mensagem é clara: confie no seu HTML e não no seu CSS. Evite firulas. Evite layout fixo (um formato que inclusive é pouco acessível e requer um trabalho extra para descrever as imagens e texto de forma que os softwares consigam ler o texto na tela). Em resumo, entenda que o seu E-book e o seu Audiobook são formatos diferentes do seu livro impresso. O conteúdo pode ser o mesmo, mas a experiência de leitura, não. Considere cada produção como um produto independente e você terá arquivos duráveis e de qualidade.
Metadados são essencial para vender. Acredito que esse seja um tópico abordado todos os anos no evento, porque provavelmente é o item mais importante para quem deseja vender e ter resultados. Sem metadados otimizados, seu livro não vai ser encontrado, simples assim. Num mundo onde competimos, mesmo dentro das lojas que vendem livros, com filmes, músicas, jogos, apps, eletrônicos, moda e tantas outras coisas, é necessário se destacar, é necessário aparecer na primeira página do resultado de busca. E para isso é preciso atualização constante, alimentação frequente. E, caso não esteja claro, metadados completos e precisos também tornam o seu produto mais acessível, pois pessoas com deficiência visual ou motora vão utilizar recursos de voz que precisam de metadados para encontrar um produto.
E, por fim, falamos sobre Audiobook. Como fazer, quais especificações seguir, como vender. Nas diversas mesas que participamos, o consenso é de que Audiobook não é o futuro – já é o presente. Já traz resultados melhores do que os E-books em sua fase inicial, são sucesso absoluto, além de possibilitar ter um único arquivo acessível para todos. Nós da Bookwire Brasil já temos a experiência e o conhecimento da equipe alemã nessa área, e foi muito bacana ver o quão alinhado estamos com editoras e lojas que já trabalham com isso há mais tempo e com sucesso.
TECH FORUM
O último dia do evento trouxe muitos assuntos diferentes, mas o foco ainda se manteve em acessibilidade e inclusão. O dia começou com uma palestra de Ritu Bhasin, consultora no assunto, e ela deu o tom para o resto do dia: inclusão é sobre igualdade. Você, enquanto editor e enquanto vendedor, investe o mesmo dinheiro e tempo em produção e marketing de livros que falam sobre diversidade e autores que fazem parte de minorias? E como empregador, você contrata negros, pessoas com deficiência, pessoas trans ou parte da comunidade LGBT+, tem uma equipe diversificada com mulheres e homens igualmente e vai além, permitindo que essas pessoas sejam autênticas no espaço de trabalho? Segundo Bhasin, se alguém precisa mudar seu jeito de ser ou policiar sua fala, não é inclusão de verdade.
Trazendo para o ambiente tecnológico de publicações digitais, diversas mesas levaram esse assunto adiante mostrando como existe uma grande demanda por histórias mais diversas, autores mais diversos, e há dados mostrando isso. A diretora geral do Wattpad, empresa de publicações online na qual histórias famosas como A barraca do beijo e After nasceram, mostrou como eles viram uma oportunidade que o mercado editorial tradicional estava ignorando e fizeram disso um negócio absurdamente lucrativo e que segue sendo inclusivo. Wattpad dá voz a escritores e leitores do mundo todo que não se sentem representados pelo mercado tradicional. Agora eles estão lançando o seu braço editorial, inicialmente apenas nos EUA.
Outro tema bastante discutido foi Inteligência Artificial (IA). Novas tecnologias podem ajudar editoras de diversas formas, mas em especial na “descobertabilidade” de seus produtos. Alguns exemplos que vimos lá foram o Projeto TAMIS, empresa canadense de Quebec que desenvolveu uma ferramenta que extrai palavras-chave a partir da capa e assim pode alimentar ferramentas de busca. Hoje o Google tem as rich cards, que já funcionam como gatekeeper de certa forma. Se o seu livro não aparece na primeira página, dificilmente ele será encontrado. Saímos de um sistema de indexação para um de pesquisa e descoberta. E agora, enquanto consumidor, lidamos muito mais com recomendações (como as rich cards, como as sugestões de compra baseada nos seus cliques) do que com busca por conteúdo. Ferramentas de Search Engine Optmization (SEO) deveriam estar sendo utilizadas pelas editoras!
Resumindo os três dias de evento em alguns pontos:
- Precisamos de EPUBs acessíveis para todos.
- Editoras precisam explorar novas tecnologias como solução para problemas atuais.
- Streaming pode ser uma boa alternativa para o DRM e pirataria.
- Bibliotecas digitais, além de democratizar o conteúdo, funcionam como arquivo, guardando seus arquivos para sempre.
- Entregar seu conteúdo para ser comercializado por uma única loja exclusivamente vai contra todos os princípios de acessibilidade, pois os leitores precisam ter a liberdade de escolher onde vão comprar e como vão ler, inclusive os que possuem alguma deficiência visual ou motora.
- Acessibilidade também significa inclusão daqueles que não tem condições financeiras de comprar ou fácil acesso a um dispositivo de leitura de E-book e Audiobook. Este é o momento de começarmos a trabalhar com bibliotecas digitais e insistir que nossas bibliotecas públicas, escolares e universitárias tenham catálogo digital disponível.
Se você tem alguma dúvida ou gostaria de saber mais sobre algum assunto abordado no evento, por favor, entre em contato com sua gerente de conta e ficaremos felizes em compartilhar o conhecimento.
(1) Gatekeeping é um conceito jornalístico para edição. Gatekeeper é aquele que define o que será noticiado de acordo como valor-notícia, linha editorial e outros critérios. Gatekeeper também pode ser entendido como o “porteiro” da redação. É aquela pessoa que é responsável pela filtragem da notícia, ou seja, ela vai definir, de acordo com critérios editoriais, o que vai ser veiculado. Podem ser considerados gatekeepers: repórteres, editores, editores-chefes e diretores de jornalismo de qualquer veículo de comunicação. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Gatekeeping