Em artigo publicado na última edição da nossa newsletter de áudio, André Cálgaro falou da narração de audiolivros por não-narradores e como fazê-la funcionar. Hoje, abordamos a produção de um audiolivro pelo aspecto do ‘texto falado’ e como fazê-lo funcionar, equilibrando a fluidez da contação de histórias e a espontaneidade com o respeito ao miolo e ao contrato.
O audiolivro é um produto único, com uma distância muito maior em relação ao livro físico, se comparado ao eBook. Quando trazemos a voz — a intencionalidade, as nuances emocionais e as interpretações — inevitavelmente estamos falando de uma produção singular, capaz de enriquecer a experiência do ouvinte para além do texto. Justamente por isso, é importante respeitar a fluidez da fala. Em algumas obras, o uso de reduções fonológicas ou contrações pode ser não apenas possível, mas também benéfico. Exemplos comuns são ler “pra” ao invés de “para”, “tá” ao invés de “está”, e “cê” ao invés de “você”. Esses ajustes tornam a audição mais natural e podem inclusive ajudar a reter a atenção por serem maneiras mais familiares de se escutar a fala.
Outro elemento importante de liberdade poética na produção de audiolivros é a compreensão de quem são o narrador ou narradora e os ouvintes da história. Como essas pessoas pronunciariam termos em outros idiomas, por exemplo? Elas conseguiriam reproduzir com perfeição o nome de um micro-condado no interior da Inglaterra ou o sobrenome de um acadêmico russo com o sotaque correspondente? Talvez a escolha mais natural seja pronunciar de maneira abrasileirada, e isso em nada prejudicaria a narrativa. Na verdade, poderia até tornar a fala mais fluida e condizente com o contexto da obra. É importante destacar que não há regras rígidas, nem pretendemos afirmar que o padrão deve ser A ou B ao criar um audiolivro. O fundamental é refletir sobre essas decisões artísticas que o formato exige, garantindo a melhor adaptação possível entre texto e voz.
Há, inclusive, casos onde o erro torna-se acerto. Em uma mesa de audiolivros na Flip, Antônio Hermida, gerente de áudio da Bookwire, citou o exemplo de Ricardo Aleixo gravando o audiolivro da sua obra palavrear. A obra foi gravada em diferentes cômodos da casa do autor, ressaltando essa vivacidade do espaço. De repente, imaginem que uma bola é chutada por meninos no quintal vizinho no momento em que o autor está narrando um poema que tenha futebol como temática. Esses erros circunstanciais podem se tornar elementos mágicos daquele projeto, especificamente. Audiolivros gravados em estúdio, com som controlado e sem ruídos, seguem sendo o padrão, mas pensar obra a obra nos dá essa chance de multiplicar ainda mais os sentidos contidos no texto e fazer da circunstância e dos eventos daquela ou naquela narração nossos aliados.
Sabemos que é fundamental, no entanto, respeitar os direitos autorais e os termos contratuais estabelecidos com os autores. Por isso, é interessante fomentar a ideia do áudio como um produto de características únicas, que demanda também contratos que o reconheçam como tal. Essa visão permite que a obra seja adaptada da melhor forma para o formato falado, sem perder sua essência ou infringir acordos.
Com o crescimento e a maturidade do mercado de audiolivros no Brasil, a produção de conteúdos originais em áudio tende a se tornar cada vez mais comum. Players como Audible e Storytel já investem em produções originais com acento regional e brasileiro, criando obras com uma organicidade oral que ressoa com o público. Assim, para além da simples ‘conversão de catálogo’, as editoras precisam considerar como adaptar os textos para a oralidade, pensando sempre na experiência do ouvinte. A pergunta central deve ser: qual é a maneira mais fluida e interessante de envolver a pessoa na história?
Está produzindo um audiolivro e na dúvida se deve lançar mão de contrações linguísticas? Tem um texto um pouco mais duro e quer opiniões sobre como criar um produto interessante em áudio a partir dele? Entre em contato com audio@bookwire e ficaremos felizes em te ajudar.
Até a próxima!