Por Marina Pastore
Mas, assim como nos primeiros anos do e-book, acredito que ainda precisamos de um esforço geral do mercado para divulgar o formato, dizer o que é, como funciona, que livros estão disponíveis, onde e como eles podem ser ouvidos.
Tendo trabalhado desde 2011 com a produção de e-books na Companhia das Letras, assumir também os audiobooks, em 2018, foi um grande desafio. Embora a produção de conteúdo em áudio não fosse uma novidade total para a editora – o podcast Rádio Companhia está no ar desde 2016 –, tínhamos pouquíssima experiência com a narração de livros inteiros neste formato. Ao contrário de países como os EUA e a Alemanha, onde audiobooks em CD já eram (e, incrivelmente, ainda são) bastante populares há vários anos, essa tradição não era forte no Brasil. Mas os números de crescimento incríveis que começaram a aparecer em mercados mais maduros, somados ao sucesso dos podcasts por aqui, deram o empurrãozinho que faltava para começarmos a experimentar.
Em termos de produção, de cara me deparei com uma enorme responsabilidade: como escolher a voz certa para cada livro? O que levar em consideração: o estilo do autor, a categoria do livro, os personagens, o enredo? Nesse quesito, não há aprendizado melhor do que ouvir horas e horas de audiobooks dos mais variados gêneros para tentar entender o que funciona – e, por outro lado, o que incomoda. Estamos falando de uma voz que vai acompanhar o ouvinte por 10, 15, 20 horas: uma narração inadequada pode estragar totalmente a experiência. Talvez essa seja a parte mais importante do processo, além de um bom briefing: registrar a pronúncia correta de nomes e palavras estrangeiras, estabelecer o ritmo e o tom da narrativa e, muitas vezes, indicar onde precisam ser feitas adaptações.
Na produção do e-book, fazer pequenos ajustes já faz parte da rotina (quando o texto faz referência a uma página do livro impresso, por exemplo), mas o audiobook muitas vezes precisa de intervenções maiores. Felizmente, a maior parte das lojas permite que se envie um PDF complementar, o que resolve o problema das imagens, tabelas, gráficos e outros recursos que são impossíveis de reproduzir em áudio. Mas mesmo em livros mais narrativos encontramos questões como expressões que não soam naturais quando ditas em voz alta, ou mesmo frases muito longas que, embora façam todo o sentido na página, ficam quase incompreensíveis quando narradas. Prever este tipo de dificuldade antes mesmo de iniciar as gravações tem se mostrado essencial. Afinal, ao contrário do e-book, em que um ajuste rápido no HTML ou no CSS resolve boa parte dos problemas e emendas no texto podem ser feitas em poucos minutos, qualquer ajuste no áudio finalizado é custoso e demorado (coisa que aprendi de maneira infeliz depois de produzir um audiobook de um livro que em breve ganhará uma nova edição, com emendas em quase todas as páginas). Aqui não há automação que ajude: cada audiobook é um projeto único, que envolve toda uma equipe e que é quase impossível de acelerar sem perder a qualidade.
Em relação ao mercado, aqui também não posso evitar a comparação com a trajetória dos e-books. Felizmente já não se fala mais da morte do livro impresso, e acredito que ninguém esteja pensando que o áudio vai matar a palavra escrita. Mas, assim como nos primeiros anos do e-book, acredito que ainda precisamos de um esforço geral do mercado para divulgar o formato, dizer o que é, como funciona, que livros estão disponíveis, onde e como eles podem ser ouvidos. Além disso, e talvez mais importante, também precisamos fazer o contrário: entender o que o leitor/ouvinte quer. Dez anos atrás achávamos que a sensação do mundo literário seriam os apps de livros, cheios de recursos audiovisuais e interativos. E aos poucos fomos descobrindo que, em grande parte dos casos, o bom e velho epub simples funciona muito bem, porque o leitor quer, bem… ler. No áudio, será que vale a pena ter produções mega elaboradas, com várias vozes e efeitos sonoros? Faz diferença quando o autor narra o próprio livro? Ou quando o narrador é uma voz conhecida? Tudo isso varia dependendo do gênero do livro? Podemos nos basear na experiência de mercados mais maduros ou o ouvinte brasileiro tem preferências diferentes? Qual será o modelo de negócios que vai se consolidar por aqui: o de venda à la carte, o de streaming ilimitado ou algo no meio do caminho, como o modelo de créditos usado pela Audible? Temos muito espaço para experimentar, e é por isso que fico muito feliz em ver tanta gente do mercado entusiasmada com este formato – não só editoras, autores e agentes literários, mas estúdios, atores, lojas, distribuidoras, serviços de streaming. Se dá pra fazer alguma previsão, é a de que os próximos anos serão agitados no mundo do audiobook.
Marina Pastore é jornalista formada pela ECA-USP. Trabalha desde 2011 na Companhia das Letras, onde atualmente é Gerente de Projetos Digitais e coordena toda a produção e comercialização dos e-books e audiobooks da editora.