Minha Relação de Amor com os Livros e os Livros Digitais. Ou Seria Apenas ‘Livros’? Afinal, Livros São Livros, Não Importa o Formato!

Por: Fernanda Emediato

Gradualmente, comecei a compreender o propósito subjacente a essas transformações, alinhando-me com a abordagem que sempre busquei adotar: antecipar o futuro em vez de resistir a ele.

Desde os primeiros anos da minha vida, os livros têm sido uma presença constante e significativa. De fato, minha ligação com a literatura foi estabelecida desde a infância, graças ao meu pai, Luiz Fernando Emediato, renomado por ser o criador do Caderno 2 no jornal O Estado de S. Paulo. A posição dele nesse cenário jornalístico resultava em uma infinidade de livros infantis, os quais ele prazerosamente recebia e trazia para o ambiente familiar.

Mesmo antes de dominar a habilidade da leitura, eu me vi completamente imersa no mundo dos livros. Passava horas incontáveis contemplando as ilustrações que saltavam das páginas, ora revisitando as histórias que alguém pacientemente lia em voz alta para mim, ora construindo novos enredos a partir das pistas visuais diante dos meus olhos curiosos.

É interessante rememorar que em 1987 tive a oportunidade de fazer uma aparição no Caderno 2, por ocasião de testar uma inovação singular daquela época: um livro interativo em formato de piano. Esse invento permitia que crianças aprendessem a tocar músicas mesmo sem possuir conhecimento prévio de partituras musicais. Na matéria em questão, Claudio Maltese, falecido editor da editora Maltese, expressou sua opinião a respeito desse novo conceito, declarando: “O livro infantil é muito padronizado. Estamos dando a possibilidade do livro com dimensões, movimentos. O livro não pode ser apenas um objeto acadêmico. Precisamos acompanhar a modernidade, a dinâmica da TV”. Isso revela que a busca por estar em sintonia com a evolução do mundo moderno tem sido uma constante preocupação dos editores já desde o século passado.

Nunca me detive a ponderar se os livros digitais alcançariam êxito, nem se os audiolivros encontrariam um público disposto a escutá-los. Minha inclinação natural em direção à inovação sempre me impulsionou a acreditar que é nosso dever acompanhar as tendências vigentes. Assim, sempre me entreguei aos ventos do que era moderno e inovador, desde que os custos envolvidos não se tornassem um impedimento para as ações propostas, é claro. Nessa busca, meu objetivo era adotar abordagens que fossem tanto progressistas quanto financeiramente viáveis.

No ano de 2009, enquanto ocupava a posição de diretora editorial na Geração Editorial, fui confrontada com um ponto de virada significativo quando o Google lançou sua plataforma de livraria digital. Sem hesitação, optamos por embarcar nessa jornada e disponibilizar nosso valioso acervo na plataforma digital. Inicialmente, acordamos em permitir a visualização de até 10% do conteúdo, como uma forma de introdução aos leitores. Nesse período, ainda era comum a produção de livros através de fotolitos, o que resultava na escassez de arquivos digitais em formato PDF. Nossas obras estavam frequentemente presas em formatos antigos, como o PageMaker, o que nos impedia de acessá-las sem a intervenção dos designers para atualizações. Devo mencionar meu designer, Alan Maia, que incansavelmente trabalhava (e até hoje trabalha) na recuperação de antigas obras do PageMaker e até do QuarkXPress.

Diante dessa situação, optamos por enviar diretamente ao Google Livrosas cópias físicas de nossas obras em papel, uma decisão que se mostrou inovadora. É notável destacar que o próprio Googleassumiu a formidável responsabilidade de transformar esses volumes físicos em arquivos digitais, o que, por sua vez, simplificou grandemente o processo de migração para o universo digital. Entretanto, os direitos autorais se revelavam uma complexidade naquela época. Contratos frequentemente limitavam a capacidade das editoras de abraçar as tendências emergentes sem a autorização prévia dos autores. Nesse cenário, a Geração Editorial tomou a iniciativa de disponibilizar três obras para download gratuito em seu próprio site. Entre essas obras, duas pertenciam ao próprio editor da empresa e a terceira foi disponibilizada a pedido do autor em questão.

Esse notável empenho não passou despercebido. A iniciativa capturou a atenção e foi amplamente abordada pela mídia, ganhando destaque no Diário do Grande ABC e em outros veículos de comunicação. Dentro desse contexto, uma provocativa pergunta emergiu: “Será que as bibliotecas estão destinadas a desaparecer, tornando o material impresso uma peça de museu?” A matéria lançou essa indagação intrigante, enquanto também lançava luz sobre a previsão que, baseada em pesquisas, projetava uma sobrevida de mais nove anos para o papel a partir de 2009. No entanto, essa visão nunca encontrou eco em minha própria perspectiva. Sempre mantive a firme convicção de que o livro transcenderia as barreiras do tempo, assumindo múltiplas formas ao longo de sua trajetória. Acredito, igualmente, que o livro impresso não apenas sobreviveria, mas enriqueceria a experiência do leitor, se conectando com outras mídias de maneiras cada vez mais inovadoras.

Em março de 2014, quando ocupava a posição de diretora editorial na Geração Editorial, fui informada sobre os planos da Saraiva de lançar o Projeto Livro Digital, por meio do seu software proprietário, o Saraiva Reader. A data estipulada para esse lançamento era o dia 30 de março do mesmo ano. Diante desse anúncio, não hesitei em reconhecer a oportunidade de levar o catálogo da editora para o âmbito digital. Enquanto revisitava a troca de e-mails entre mim e Deric Degasperi Guilhen, que naquela época estava envolvido no setor de conteúdo digital da Saraiva, uma frase nostálgica me chamou a atenção: “Quanto ao formato dos arquivos, priorizaremos o ePub, que proporciona uma melhor experiência de leitura em dispositivos dedicados e smartphones. No entanto, cientes da escassez de material nesse formato e da complexidade relacionada à conversão ou produção de conteúdo ePub, também aceitaremos conteúdo em PDF, que proporciona uma experiência bastante satisfatória quando lido em desktop e notebook.”

É crucial destacar que, nessa época, a tarefa de converter nosso catálogo para o formato ePub não era nada simples. Eram escassas as empresas nacionais que ofereciam esse serviço, o que nos levou à decisão de disponibilizar as obras no formato PDF. Um detalhe intrigante desse período é que uma das obras de maior êxito naquele momento era a edição da Geração Editorial de As Maluquices do Imperador, escrita por Paulo Setúbal. O que torna essa situação peculiar é que essa obra estava em domínio público, o que permitia sua reprodução livre, e apesar da qualidade excepcional da nossa edição, é curioso perceber que a mesma obra estava disponível em múltiplos sites.

Sem dúvida, esse cenário destaca a intricada transição da indústria editorial para o meio digital naquela época. Essa mudança se caracterizava por uma série de desafios singulares, mas também abria portas para oportunidades surpreendentes. Esse momento é um reflexo claro de como a indústria editorial estava imersa em mudanças substanciais, tendo de lidar tanto com desafios intrincados quanto com oportunidades promissoras durante a sua jornada de adaptação ao formato digital.

Essa convicção no acesso à informação é fundamental e ilumina a direção que sempre segui. Permanece inabalável em minha mente que o livro é uma ferramenta essencial para a construção de um mundo aprimorado. Afinal, indivíduos bem instruídos e educados, frutos dessa valiosa fonte de conhecimento, estão mais propensos a tomar decisões mais acertadas em suas jornadas de vida. A crença na transformação positiva que a educação e o acesso à informação podem proporcionar é um pilar que jamais deixarei de defender.

Em 2011, o cenário do mercado digital ainda não tinha atingido sua plena consolidação. Em uma matéria veiculada no Jornal da Tarde, podíamos ler a afirmação de que “O mercado de livros digitais ainda caminha a passo lentos, mas já existem editoras que apostam no segmento”. E, naturalmente, eu era uma dessas editoras que estava avançando nessa direção.

Nos anos que se seguiram a essa especulação, pude observar de forma concreta o crescimento contínuo das vendas de livros digitais. No entanto, algo me incomodava: a necessidade de cadastrar nossos eBooks em diversas plataformas e de acompanhar constantemente as promoções. Foi em 2015 que decidi buscar a Bookwire, uma decisão que se revelou uma das melhores que já tomei. Através dessa parceria, consegui otimizar completamente o nosso catálogo digital. O processo demorado de lidar com múltiplos metadados foi resolvido com a unificação dos dados (lembra dos tempos em que tínhamos que preencher inúmeras planilhas de Excel para cada grande livraria? Isso foi antes de existir também a Metabooks, outra paixão minha). Sem mencionar a qualidade excepcional do atendimento oferecido.

É verdade que muitos colegas editores eram reticentes em relação ao uso de distribuidores digitais, alegando que os retornos financeiros eram menores em comparação ao envio direto. No entanto, o que poucos enxergavam era o imenso poder de alcance proporcionado pela Bookwire, um alcance que não seríamos capazes de atingir sozinhos. Isso, por sua vez, resultava em retornos substanciais e notáveis. A capacidade de distribuição oferecida pela Bookwire se mostrou uma vantagem indiscutível, superando qualquer desvantagem financeira percebida no curto prazo.

Após esse período, surgiram os livros infantis interativos. No entanto, havia (e ainda há) uma limitação notável: a produção desses livros era dominada por um número reduzido de produtores, o que tornava o processo inacessível para a maioria das editoras de menor porte. De fato, surge um grande anseio: ter a oportunidade de criar uma obra inteiramente interativa, algo que, infelizmente, permanece um sonho para muitos editores de menor escala, incluindo eu e minhas obras.

Pouco a pouco, o cenário mundial começou a se transformar. As redes sociais ganharam um imenso impulso, juntamente com os serviços de streaming. Nesse processo, as crianças passaram a se tornar cada vez mais atraídas por celulares, iPads e qualquer tipo de tela. Foi nesse ponto que o setor editorial, juntamente comigo, começou a manifestar crescente preocupação. A mudança de hábitos das crianças gerou um alerta na indústria e em mim, diante do impacto que essa transformação poderia ter no mundo da literatura e da educação.

Durante esse período de crescente preocupação, ao me envolver nas inscrições do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), pude acompanhar a notável ênfase do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e do Ministério da Educação (MEC) na questão da acessibilidade. Eles passaram a demandar manuais digitais para os professores, seguidos por vídeos-aula, audiolivros com acessibilidade e até mesmo arquivos em formato HTML. Inicialmente, admito que não compreendi todas essas exigências de imediato. Perguntava a mim mesma: “Os professores não possuem habilidades para lecionar sem manuais? Por que os alunos precisam de acesso a arquivos digitais? O que está acontecendo?”

A preocupação crescente em relação à acessibilidade e ao uso de tecnologia na educação estava moldando um novo paradigma no setor educacional. A demanda por diferentes formatos de conteúdo digital refletia a necessidade de atender a uma variedade de estilos de aprendizagem e também de garantir que todos os alunos, incluindo aqueles com necessidades especiais, tivessem acesso equitativo aos recursos educacionais. A evolução rápida nessa direção estava me fazendo questionar e compreender a dinâmica em evolução no mundo da educação.

Ao longo do tempo, mantive a postura de não confrontar o fluxo natural das mudanças. Gradualmente, comecei a compreender o propósito subjacente a essas transformações, alinhando-me com a abordagem que sempre busquei adotar: antecipar o futuro em vez de resistir a ele. Em consonância com essa mentalidade, ao perceber a demanda do FNDE por obras didáticas e literárias interativas, compreendi que isso era exatamente o que havia buscado fazer: decifrar o que estava por vir, ao invés de travar uma batalha contra as mudanças inevitáveis. Afinal, os jovens demandavam justamente isso – uma abordagem interativa para manter seu interesse vivo. Consequentemente, decidi seguir essa tendência e adentrar nesse novo cenário com determinação.

Hoje, como proprietária da Editora Troia, uma empreitada que concentra sua atenção nos clássicos literários de domínio público, uma paixão profunda e duradoura, o meu empenho reside em transformar esses clássicos em obras notáveis e completas, enriquecendo não apenas a experiência do leitor com a literatura de qualidade, algo cada vez mais raro nos dias de hoje, mas também com conteúdos que adicionem valor à obra. O sucesso que observei em As Maluquices do Imperador é um exemplo que perdura na memória. Foi nesse período que aprendi a arte de editar um clássico de forma a torná-lo um produto singular, algo que ressoa até hoje na minha abordagem editorial.

Aos poucos, minha trajetória me conduziu de maneira gradual para a minha grande paixão: os livros infantis. Meu primeiro livro, intitulado A Menina Perdida. Eu o escrevi, aos 9 anos, nas páginas de uma agenda ilustrada pelo personagem Garfield, um desenho animado que, naquela época, só podíamos apreciar quando estivesse disponível para locação na videolocadora mais próxima de nossa casa. Recordo-me das incontáveis vezes em que assisti e reassisti aos episódios durante todo o fim de semana. Esse livro, que guardava um valor especial para mim, finalmente viu a luz do dia em 2013, quando foi publicado pela Geração Editorial. O nascimento dessa obra marcou um passo significativo na minha jornada literária, especialmente no universo dos livros infantis.

No ano de 2020, apresentei ao mundo a obra A Menina Sem Cor. Nessa narrativa, uma das personagens é uma pessoa albina, uma condição genética que pode afetar a visão. Essa história foi agraciada com o prêmio ProAC Pesquisas em 2017, e eu tive a honra de ser convidada para realizar sessões de contação de histórias para as crianças da Fundação Dorina Nowill. Foi nesse momento que uma constatação surgiu com clareza: a carência de materiais acessíveis para pessoas cegas ou com baixa visão.

Esse encontro com a Fundação Dorina Nowill, que tem como missão promover a inclusão e a autonomia de pessoas com deficiência visual, fez com que eu percebesse o quanto ainda há por fazer no que diz respeito à disponibilidade de recursos adequados para esse público. Foi um momento de sensibilização que fortaleceu meu compromisso com a produção de obras que fossem verdadeiramente inclusivas e acessíveis para todas as crianças, independentemente de suas condições visuais. Mas só agora em 2023, quando me associei com Fernando Augusto Fernandes, editor da editora Tristão Fernandes, foi que criamos em sociedade o selo Guri, no qual todas as obras são produzidas pensando em acessibilidade. Essa sociedade foi a realização de um sonho, pois me permitiu produzir diversas obras desde a educação infantil até clássicos para jovens leitores, de forma que eles podem transitar por diversas mídias, pois todas as obras possuem um QRcode que leva os leitores, pais e professores para um guia de leitura alocado no Calameo (plataforma de leitura online), um audiolivro com descrição de imagem e sem descrição de imagem no Spotify, um vídeo animado com libras no YouTube e um caderno de atividades que podem ser baixado em pdf e impressos quantas vezes quiser. Todos os conteúdos extras estão abertos para serem acessados por quem quiser, pois tanto eu como meu sócio Fernando acreditamos que a educação e a literatura são a porta de entrada para seres humanos mais justos e empáticos. E com esse propósito almejamos que as obras impressas sejam apreciadas pelas compras governamentais.

E tocando nesse assunto, é notável observar como as vendas governamentais têm evoluído, especialmente com um foco cada vez mais acentuado na acessibilidade. Atualmente, as prefeituras, secretarias de educação e o governo em geral estão empenhados em cumprir as normas de acessibilidade, reconhecendo a importância de oferecer recursos educacionais inclusivos. No último ano, dei um passo adicional ao unir forças com minha empresa de soluções editoriais, Fernanda Emediato, a duas proeminentes empresas de soluções digitais, Cumbuca Studio e S2books. Juntos, estamos direcionando nossos esforços para atender às demandas do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) no que diz respeito aos HTMLs, garantindo que as obras sejam acessíveis e inclusivas para todos os alunos.

“Foi uma empreitada desafiadora, que demandou uma compreensão profunda das diretrizes de HTML estabelecidas pelo FNDE e pelo MEC. Investimos tempo em estudos minuciosos e consultas frequentes, contando com a expertise do Fernando Tavares, da Booknando, para nos especializarmos nesse domínio.”

Janaina e Telmo, sócios da S2books

Essa parceria também me proporcionou insights valiosos sobre como as editoras abordam seus eBooks. As editoras Carochinha e Panda, casas editoriais que prezam pelo cuidado com seus livros, avaliam cada página da conversão com um olhar exigente, assegurando que a qualidade editorial permaneça equiparada à dos impressos. Aprendi que essa atenção meticulosa é fundamental para manter os padrões elevados que o público espera, independentemente do formato em que o conteúdo é entregue.

Entretanto, nesse mesmo período, deparei-me com uma situação inusitada. Muitas editoras direcionadas para vendas governamentais eram obrigadas a converter suas obras selecionadas para ePubs acessíveis, porém, posteriormente, esses arquivos não eram aproveitados para fins comerciais. Essa observação despertou em mim um desejo de incentivar essas editoras a explorarem novas oportunidades. Afinal, os arquivos já estão disponíveis, e é justamente por essa razão que tenho encorajado essas editoras a considerarem uma parceria com a Bookwire. Por que não dar uma chance aos arquivos existentes, transformando-os em fontes de receita potencial, além de cumprir com os padrões de acessibilidade?

Hoje, meu filho Raul, com seus 5 anos de idade, como toda criança, explora com moderação os jogos no meu celular. Estabelecemos um acordo: assinamos mensalmente um dos jogos para evitar anúncios desconhecidos e não cair em excessos. Para muitos pais, passar um celular às mãos dos filhos representa uma oportunidade para ganhar tempo e realizar outras tarefas, mas algo notável aconteceu de repente. Raul veio até mim e pediu: “Você pode ler este livro para mim?” Ele estava imerso no aplicativo PlayKids, da Leiturinha, onde havia um carrossel repleto de livros, incluindo um dos meus colegas Diego Rodrigues e Naiara Raggiotti, da Carochinha. Meu primeiro pensamento foi: “Incrível como ele está se adaptando tão bem, eu também quero”. No entanto, meu segundo pensamento foi ainda mais gratificante: “É maravilhoso que, em meio a inúmeras opções de jogos, meu filho tenha se interessado por um livro”. Essa experiência me fez perceber de forma clara que os livros digitais não são adversários dos jogos, mas sim uma alternativa valiosa que oferece muitas oportunidades educacionais e de entretenimento.

“É muito recompensador ver os livros da Carochinha presentes em plataformas de distribuição digital e até mesmo em aplicativos infantis, além dos canais de distribuição de livros impressos. No caso do app infantil, é como se, dentro do universo do entretenimento para crianças, fosse plantada uma sementinha de cultura e literatura, que as crianças identificam, regam e cultivam. Um dos nossos objetivos é disseminar a literatura infantil e juvenil de modo a alcançar crianças das mais variadas origens, provenientes de famílias com as mais diversas condições socioeconômicas. O livro e a leitura ajudam a acender luzes nas mentes dos leitores, e isso também ocorre no suporte eletrônico.”

Diego Rodrigues, editor da Carochinha

É interessante destacar um artigo recente que escrevi sobre a situação em São Paulo, em que o governo estava considerando negar as obras do PNLD em favor de desenvolver sua própria linha de livros digitais. Nesse ponto, tenho algumas ressalvas. Não vejo problema algum em proporcionar aos jovens acesso a obras digitais interativas e tecnológicas. No entanto, é crucial reconhecer que a balança deve ser mantida. Nossos olhos, cérebro e corpo não conseguem absorver tanto estímulo tecnológico sem consequências. Portanto, a busca pelo equilíbrio é fundamental.

Especificamente no âmbito educacional, a abordagem precisa ser ponderada. A tecnologia pode ser uma aliada poderosa, mas não deve ser a única ferramenta. O papel e o contato com livros impressos são componentes valiosos de uma educação completa. O desenvolvimento equilibrado de habilidades cognitivas, emocionais e físicas requer a inclusão de diferentes modalidades de aprendizado.

Além disso, a questão da escolha das obras é crucial. A diversidade bibliográfica é um pilar essencial da educação. Quando as decisões são tomadas centralmente e as oportunidades de edição são limitadas, a pluralidade de perspectivas e a riqueza de conteúdos podem ser comprometidas. Portanto, é necessário abraçar a bibliodiversidade e garantir que os alunos tenham acesso a uma variedade de fontes e visões.

O cerne da questão é encontrar o equilíbrio entre as inovações tecnológicas e os valores fundamentais da educação, respeitando a diversidade de opções e garantindo uma experiência de aprendizado enriquecedora e abrangente.

Atualmente, atuando como consultora editorial, editora e escritora, sempre enfatizo aos meus clientes a importância de investir no meio digital. Minha orientação constante é: “Convertam seus catálogos” e, de forma assertiva, reforço: “Aproveitem a maré digital”. Afinal, se você já possui o arquivo ePub, por que não o disponibilizar para venda? Minha abordagem visa incentivar a exploração das possibilidades oferecidas pelo ambiente digital, tornando acessível o conteúdo existente e conectando autores e leitores de maneira eficaz e inovadora.

Hoje, minha estratégia comercial central (fora as vendas governamentais) é focada precisamente nas plataformas digitais. Busco a disseminação das minhas obras ao redor do mundo, abrangendo todos os formatos possíveis: impresso, digital, audiolivro e até vídeos animados inspirados nas histórias, que conto com a competente colaboração da empresa Flamingo. Adicionalmente, almejo a tradução das minhas obras para diferentes idiomas, permitindo que se tornem acessíveis a leitores estrangeiros e também a escolas bilíngues. Nesse contexto, vale a menção do incrível trabalho realizado pela Árvore de Livros, que oferece uma biblioteca digital de obras notáveis. Essa plataforma possibilita aos educadores acompanhar o progresso de seus alunos e suas leituras. No entanto, é lamentável que o foco predominante das vendas da Árvore de Livros seja predominante às regiões Nordeste e Sul, além de escolas particulares. Por que os governos não estão estabelecendo conexões com iniciativas como a Árvore de Livros, especialmente considerando o crescente interesse em livros digitais?

“Com 31 anos de experiência no mercado editorial de livros impressos e desde 2009 atuando no mercado de livros digitais, em parcerias com mais de 140 editoras e algumas distribuidoras, entendemos que uma biblioteca digital, utilizando o poder da linguagem HTML 5, que não demanda por um leitor específico, possibilitando aplicação de novos recursos que não encontramos nos epub, seja mais uma excelente forma de distribuir conteúdo. Sem a restrição de Javascript, podemos incluir interatividades compatíveis com os browsers atuais, gamificações e até inclusão de módulos com realidade virtual e aumentada e até utilização de IA. Além de ser um formato responsivo, acessível, permite sincronização de áudio e texto ou até mesmo vídeo e texto, leitura por voz sintetizada, anotações e muitas outras funções avançadas de navegação. Uma outra vantagem do HTML5 seria a preservação das principais características visuais do livro impresso. “

Robson Luiz – Sócio Cumbuca Studio e pai do Diogo

Nesse contexto, é importante ressaltar o notável trabalho realizado pela editora Bambozinho, sob a liderança de Aloma Carvalho, que se consolidou como uma referência no segmento de literatura infantil. Suas obras alcançaram um sucesso significativo na plataforma Árvore de Livros. A Bambozinho demonstrou inovação ao introduzir livros destinados aos bebês, uma categoria que anteriormente era dominada por produtos chineses de literatura-brinquedo. Esse exemplo evidencia de que maneira a indústria está em constante evolução, diversificando-se e se adaptando às necessidades e preferências em mutação dos jovens leitores.

“Desde 2013 na Bamboozinho fazemos livros multimidias: livro impresso + app + qrcode. No impresso, o texto literário; no app, complementos sonoros que estimulam a interação entre o leitor criança e o adulto mediador; e, por meio do qr code, a entrevista com o autor proporcionando um contato ainda maior com a obra. A princípio todo mundo estranhava o som sair das páginas do livro por meio da tecnologia da realidade aumentada. Mas logo nossos leitores apreciaram a interação, como uma curiosidade – não exatamente como uma experiência de leitura em outros meios. O sucesso de ter o livro baseado em outras tecnologias veio mesmo com a parceria com a Árvore de Livros. A leitura no digital, interativa ou não, ganha um significado maior quando os educadores e as famílias vêm sentido em ler um livro digital. E a Árvore proporciona este importante contexto para que a leitura dos livros infantis ocorra em outros meios e suportes.”

Aloma Carvalho, Bamboozinho

No tocante aos livros infantis interativos, como mencionei anteriormente, a produção ainda enfrenta desafios em relação ao custo, principalmente devido ao tempo de edição envolvido. Recentemente, tive a oportunidade de criar, com a ajuda de Theo, meu parceiro da Cumbuca Studio, para transformar a capa da minha obra Era uma Vez um Gato Xadrez, com realidade aumentada, que se tornou um grande sucesso entre as crianças. A capa interage com o leitor, convidando-o a mergulhar no mundo das histórias. No entanto, vale mencionar que para tornar uma capa simples capaz de falar, foi necessário investir quase 15 horas de trabalho e dedicação. Isso ressalta a complexidade e o comprometimento envolvidos na criação dessas experiências interativas.

“Durante todos os anos em que trabalho com livros (desde 2009, mais ou menos), sempre tentei ficar atento para onde os ventos da tecnologia estavam soprando as páginas dos livros. Por isso, me tornei especialista em livros digitais e, hoje, trabalho em parceria com a Cumbuca Studio na parte de tecnologia, acessibilidade e interatividade para ebooks. Produzimos livros em formato epub, HTML e até mesmo aplicativos para plataformas mobile. A minha cruzada atual com a minha própria empresa, a XR Libris, em parceria com a Cumbuca Studio, é projetar o futuro dos livros nos ambientes de ‘metaverso’, com leituras imersivas e interativas em realidade virtual e com dispositivos de realidade aumentada. Esse futuro ainda não chegou em larga escala, e a adoção pelo mainstream de uma nova plataforma de computação ainda tem um caminho – menor a cada ano – a percorrer, seja nos desafios de engenharia e de custo, seja no tempo para maturar as tecnologias e a produção de conteúdo. Mas tudo aponta para um futuro onde a computação espacial compartilhará espaço com outras tecnologias de consumo de mídia já estabelecidas, como smartphones, computadores tradicionais e tablets.”

Theo Guedes, Designer técnico/Desenvolvedor  – Cumbuca Studio | XR Libris

Compartilho da crença de que em um futuro próximo, as tecnologias irão simplificar muitas etapas do processo de criação, tornando os custos mais acessíveis. À medida que essas ferramentas se desenvolvem, não podemos subestimar o seu potencial como meios de atrair o jovem leitor. A evolução constante da tecnologia apresenta uma oportunidade promissora para enriquecer a experiência de leitura e engajar as novas gerações de uma forma cativante e interativa. É essencial estarmos preparados para abraçar essas mudanças e explorar como podemos aproveitar as ferramentas emergentes para nutrir o amor pela leitura nas mentes curiosas e ávidas por conhecimento dos jovens.

Aproveitando essa perspectiva, gostaria de enfatizar aos pais, mães, tutores e cuidadores a importância da literacia familiar. Encorajo a todos a explorarem tanto os livros impressos quanto os digitais como ferramentas valiosas para o desenvolvimento de nossas crianças. A literacia familiar não apenas fortalece os laços entre adultos e crianças, mas também promove o crescimento intelectual e emocional dos jovens. As histórias compartilhadas e as conversas inspiradas pela leitura contribuem para uma base sólida de conhecimento e imaginação, que é crucial para o desenvolvimento saudável e a aprendizagem contínua. Portanto, convido a todos a abraçar essa prática enriquecedora e a nutrir o amor pela leitura nas gerações futuras.

Reflexões sobre o Preço dos Livros Digitais à Luz das Considerações de Felipe Neto

Recentemente, Felipe Neto, um influenciador notório por sua defesa da leitura, expressou sua preocupação com os preços praticados pelas editoras nas obras digitais. Antigamente, as editoras baseavam o preço dos e-books em cerca de 30% a menos que o valor dos livros impressos. No entanto, os tempos mudaram e atualmente os livros digitais têm um preço quase equivalente ao dos impressos. A questão é: isso é justo?

Me dando como exemplo prático, sou apaixonada por literatura, atua como editora e escritora, e atualmente, ao menos nas horas de diversão, optei por ler exclusivamente e-books no Kindle por sua praticidade e leveza, e compartilho a perspectiva de que a adaptação para o digital pode ser vantajosa. No entanto, é importante destacar que Felipe Neto talvez não esteja levando em conta os custos envolvidos na produção editorial, independentemente de serem obras digitais ou impressas.

Produzir uma obra literária abrangendo todos os colaboradores da cadeia – capistas, diagramadores, designers, revisores, preparadores, pesquisadores, ilustradores, entre outros – resulta em custos substanciais. No último período de 8 meses, trabalhei na produção editorial de cerca de 15 obras, abrangendo livros infantis ilustrados, clássicos e obras de arte sobre o folclore. Os custos editoriais para esses projetos variaram entre 18 mil e 28 mil reais, excluindo impressão e conversão digital.

Embora a produção de uma obra impressa e digital simultaneamente permita a diluição dos custos, é essencial reconhecer que hoje em dia os custos são elevados tanto para o formato impresso quanto o digital. Portanto, é crucial entender que os editores não podem precificar suas obras abaixo dos custos. As editoras enfrentam desafios significativos para promover e vender seus trabalhos. A concorrência é acirrada, os espaços físicos são cada vez mais limitados e o ambiente digital nem sempre consegue destacar todas as obras disponíveis.

Enquanto desejamos que os livros digitais sejam acessíveis, também devemos considerar os esforços e os custos substanciais associados à criação e publicação de obras de qualidade, sejam elas impressas ou digitais.

Compartilho da visão de que a discussão mais produtiva não gira em torno da superioridade entre livros impressos ou digitais, mas sim de como podemos incentivar mais pessoas a lerem, independentemente do formato. A abordagem mais eficaz é sempre focar em como promover a leitura de maneira abrangente.

O verdadeiro segredo, meus estimados, reside na educação familiar e no ambiente escolar, assim como na promoção da literacia familiar. As crianças, sem dúvida, representam o futuro, e é crucial investir nelas, onde quer que estejam. Através de uma educação sólida, que valoriza a leitura e a busca pelo conhecimento, podemos instigar o interesse pelas histórias e pelo aprendizado desde cedo.

A literacia familiar, que abrange a participação ativa dos pais e tutores no processo de leitura das crianças, é um pilar fundamental. Nas escolas, é essencial desenvolver programas e práticas que cultivem o gosto pela leitura. Assegurar que as crianças tenham acesso a uma ampla variedade de materiais de leitura, sejam eles impressos ou digitais, também é crucial para nutrir o hábito de ler.

Devemos concentrar nossos esforços em garantir que a leitura seja uma parte intrínseca da vida das crianças, independente do meio em que elas se encontram, permitindo que as novas gerações desenvolvam habilidades cognitivas, criatividade e uma compreensão mais profunda do mundo ao seu redor.

Portanto, que venham os livros impressos, os digitais, os interativos e até mesmo os que estão por vir – afinal, quem sabe daqui a alguns anos estaremos lendo livros em hologramas ou transmitindo histórias diretamente para nosso cérebro? O importante é que a leitura continue a nos encantar, a expandir nossos horizontes e a nos conectar com mundos extraordinários. Então, agarre um livro, seja ele de papel ou de pixels, e mergulhe nessa aventura literária sem fim. Quem sabe onde os próximos capítulos nos levarão?


Fernanda Emediato é autodidata, empresária, escritora, editora, produtora cultural, produtora editorial, consultora, atriz e professora. Com mais de 27 anos de experiência profissional, ela se destacou em diversas áreas editoriais e culturais. Aos 9 anos de idade, escreveu seu primeiro livro, A Menina Perdida, e desde então já publicou mais de 20 obras literárias em língua portuguesa e outros idiomas.

Ao longo de sua trajetória, teve suas obras contempladas em programas importantes, como o ProAC e o PNLD. Além disso, ela sempre priorizou a defesa dos direitos das crianças. Desde 2013, visita escolas dentro e fora de São Paulo, levando sua paixão pela literatura e promovendo o acesso à leitura. Fernanda Emediato é uma figura inspiradora, dedicada não apenas à sua carreira como escritora e editora, mas também ao impacto social positivo por meio de suas atividades culturais e ações em prol das crianças.

www.fernandaemediato.com.br

@fernandaemediato

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