Por Marina Pastore
Mais de cinco anos de trabalho intenso, problemas inesperados e incontáveis horas passadas em sites de pesquisa de pronúncias resultaram na marca de 200 audiobooks lançados, que comemoramos em agosto de 2023
Em 2018, recebi a missão de gerenciar, além dos e-books, também a produção dos audiobooks do Grupo Companhia das Letras. Diante de um mercado com pouca tradição de livros em áudio (ao contrário dos EUA, por exemplo, onde livros em CD têm seu público há décadas) e de um catálogo extenso e bem estabelecido de livros impressos, bateu um leve desespero: por onde começar?
Em primeiro lugar, como escolher os títulos a serem produzidos neste novo formato? O passo lógico parecia ser atacar primeiro a lista de mais vendidos, o que, comercialmente, de fato fez sentido — há exceções, mas em geral é seguro presumir que os livros físicos e e-books mais populares serão também os títulos mais procurados em áudio. Mas a Companhia das Letras, assim como outras grandes editoras brasileiras, se caracteriza por um catálogo amplo, repleto de long sellers — livros que talvez não tenham volume de vendas suficiente para entrar na lista da Veja, mas que vendem constantemente há anos, às vezes décadas. Por isso, consideramos importante olhar também para este passado, construindo um catálogo em áudio que, embora ainda pequeno, fosse representativo dos diversos selos e linhas editoriais da Companhia.
Além disso, em poucos anos o áudio já se tornou, se não exatamente popular entre o público leitor, um assunto frequente dentro do mercado, fazendo com que autores esperem ver seu livro também neste formato. No caso de autores estrangeiros, com o mercado aquecido nos EUA e na Europa, muitos agentes literários já esperam um planejamento para o lançamento do audiobook desde o momento da aquisição do livro. Assim, tornou-se necessário também estabelecer um equilíbrio entre explorar o catálogo e trabalhar com os lançamentos — o lançamento simultâneo de livro físico, e-book e audiobook tornou-se inclusive uma estratégia poderosa de marketing, dando mais material para a divulgação do livro em plataformas digitais e proporcionando ao leitor mais uma opção de formato desde o início. À medida que vai se tornando parte da rotina da editora, o audiobook passa a ser uma parte integral da missão de levar a voz dos autores ao maior número possível de leitores, qualquer que seja o formato ou plataforma escolhida por cada um deles.
Por falar em voz, a escolha do narrador é de uma responsabilidade imensa, especialmente neste contexto inicial do mercado brasileiro: temos a chance de conquistar um público potencial enorme com produções de qualidade, mas uma primeira experiência ruim pode fazer alguém desistir totalmente do formato. Uma voz que não tem a ver com o livro, um ritmo de leitura desagradável ou uma pronúncia errada podem distrair completamente o ouvinte. Embora haja aspectos artísticos e técnicos a serem considerados, no final das contas a escolha do narrador é uma decisão bastante subjetiva, idealmente tomada a muitas mãos.
Parte do desafio deste primeiro momento da produção de audiobooks foi justamente estabelecer padrões e processos para um tipo de produto que era muito diverso da nossa experiência até então. Percebemos a necessidade de envolver diversas áreas da editora no processo, mas também de ter ao menos uma pessoa dedicada totalmente aos audiobooks, mesmo que o volume inicial de produção e de vendas fosse pequeno. Não foi fácil encontrar a pessoa certa, porque ela precisa ter um perfil híbrido: entender a parte técnica, mas também ter sensibilidade para trabalhar com o texto e organização para coordenar diversos projetos ao mesmo tempo. Também ficou clara a necessidade de manter as etapas de preparação do texto e de controle de qualidade internas à editora, já que algumas produções exigem adaptações no conteúdo do livro (por exemplo, no caso de passagens com referências a páginas do livro impresso) ou decisões que, novamente, são subjetivas: um nome estrangeiro deve ser lido com a pronúncia original ou abrasileirada? Para quem está ouvindo sem o apoio do texto impresso, fica mais claro se uma sigla relativamente desconhecida for lida por extenso? Faz sentido incluir as notas de rodapé no audiobook, e se sim, como?
Mais de cinco anos de trabalho intenso, problemas inesperados e incontáveis horas passadas em sites de pesquisa de pronúncias resultaram na marca de 200 audiobooks lançados, que comemoramos em agosto de 2023. Tentei resumir aqui alguns dos questionamentos e aprendizados que colecionamos nesse processo.Ver cada vez mais empresas apostando em audiobooks no Brasil me traz muito otimismo sobre o futuro deste mercado, e torço para que, num futuro não tão distante, ele seja tão parte do dia a dia das editoras quanto o e-book é hoje
Marina Pastore é jornalista formada pela ECA-USP. Trabalha desde 2011 no Grupo Companhia das Letras, onde atualmente é Supervisora de Produtos Digitais, responsável pela produção e venda dos e-books e audiobooks e pelo gerenciamento dos metadados de todos os selos do Grupo.