O audiolivro e seu gênero

Por Jorge Sallum

Um audiolivro deve ter um editor capaz de entender o conteúdo do livro disposto neste gênero distante do papel, sem perder a graça e precisão das intenções do autor. 

Caro amigo editor, um pouco de paciência ao escutar um audiolivro pela primeira vez. Assim como uma ilustração não ilustra um livro ou um filme baseado em uma obra literária é outra obra, o audiolivro também tem seu gênero particular. Tal conselho ocorreu a mim mesmo quando comecei a pensar em editar audiolivros. Sim, editar. Um audiolivro deve ter um editor capaz de entender o conteúdo do livro disposto neste gênero distante do papel, sem perder a graça e precisão das intenções do autor. 

Eis abaixo três dicas, formuladas depois de algumas, digamos, cabeçadas ao longo de um ano e meio de produção.

A primeira dica é: não pensar que o audiolivro é um produto para semianalfabetos preguiçosos. Estar sozinho com seu livro em um lugar silencioso é maravilhoso, mas até esse gesto tão natural tem uma origem histórica. Quem conhece a história do ofício sabe que a leitura em voz alta, muitas vezes em grupo, era a regra até há alguns séculos. Um amigo cubano me contou que, no trabalho do tabaco, existe até hoje a função do leitor, que entretém os artesãos com leitura enquanto eles enrolam os charutos. É por isso que há tanto charuto com nome de romance famoso. Hoje em dia, a tendência é acharmos que quem escuta um audiolivro está cozinhando ou fazendo ginástica. Mas escutar um áudio requer muita atenção. Até mais do que a da leitura. Portanto, escute audiolivros antes de encomendá-los ou fazê-los

A segunda dica é: não confundir audiolivro com teatro, ou pior, cinema. Nada mais chato do que trilha sonora excessiva ou rebatimentos inúteis, como barulhos de chuva, quando um personagem fala de… chuva. Contratar atores é a melhor solução, mas eles não podem exagerar e a atuação acabar parecendo com a de um apresentador de circo. Locutores e dubladores também são bem-vindos e podem fazer um trabalho excelente. Mas eles têm que entender que não estão noticiando nada. Locutores tendem a exagerar na articulação das falas. Peça, portanto, para o leitor, profissional ou não, algumas provas de dicção antes de encomendar o trabalho. Explique a obra para todos os envolvidos e peça que leiam antes de produzi-la. Se for ficção, tente pensar se a fala é, ficcionalmente, para muitas ou poucas pessoas. Em Oração aos moços, Rui Barbosa reconstrói a cena de um discurso para ser lido em uma sala de paraninfos. Alice no país das maravilhas é, ficcionalmente, para algumas crianças. Se for ensaio, pense se é um texto instigador, didático ou mais reflexivo, como são os textos filosóficos. E faça com que a dicção do leitor se aproxime naturalmente disso. 

Terceira dica: terceirizar não significa não participar. Como editor, estamos acostumados a encomendar. Mas nós geralmente nos entendemos como produtores responsáveis pela qualidade do livro, mesmo que revisões, diagramação e design sejam feitos externamente. No caso de um audiolivro, com introdução e notas, por exemplo, é necessária uma adaptação editorial. Em muitos casos, um texto curto que não canse o leitor e um apêndice que inclua a maior parte da introdução e alguns assuntos tratados nas notas seriam bem mais adequados. Não há uma fórmula. O que não pode acontecer é a leitura tentar reproduzir roboticamente a espacialidade de uma página. E não se esqueça de ouvir o livro. A aprovação do editor tem de ser uma etapa bastante importante. Vale lembrar que a terceirização não é a única possibilidade. Para conhecer todo o processo, eu mesmo optei por comprar uma simples cabine de audiometria auricular, um microfone um pouco mais robusto, e pronto, partimos. Contratamos um ator e um produtor para tocarem a produção, e o que a princípio parecia caseiro foi se tornando profissional. Hoje já preparamos dez livros e temos mais sessenta na fila.  Por fim, um breve comentário. Se você, editor, sempre sonhou em aumentar o público, pense no número de possíveis ouvintes-leitores que já têm um celular na mão e estão distantes do arquivo por apenas um clique. E esse arquivo ainda pode ser reproduzido como um streaming de Deezer, Spotify ou YouTube. Por menor que seja a exposição, a experiência desse futuro leitor é financeira e temporariamente mais factível do que a tradicional venda do papel ou ebook. Não seria essa uma forma menos elitista de chegar a um público muito mais amplo? 


Jorge Sallum é editor. Fundou a Hedra em 1998 e nos últimos anos se tornou sócio dos selos n-1 e Saíra. Estudou história e fez mestrado em letras clássicas na Universidade de São Paulo. Nasceu em São Paulo, em 1973.

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