PNLD e livros acessíveis a todos

Por José Fernando Tavares

Do autor a quem faz o cotejo do livro, é importante que todos estejam conscientes que acessibilidade não é um recurso, mas sim um requisito básico das publicações digitais.

A acessibilidade em livros digitais está sendo bastante discutida e debatida neste ano entre os editores graças ao fato que o MEC, nos seus últimos editais para o PNLD, deixou de pedir o formato Mecdaisy e passou a exigir dos editores o formato ePub3 com especificações de acessibilidade (veja PNLD 2019, anexo IV).

Porém, a preocupação da WEB quanto à acessibilidade é bem mais antiga. Ainda assim, mesmo com um longo percurso nas costas, é um tema sempre atual e que precisa de atenção pois parece que ainda não conseguimos passar da ideia de acessibilidade para a prática da acessibilidade.

Precisamos compreender que falar de acessibilidade não é somente pensar em algumas pessoas com dificuldade de acesso ao seu livro, o que já seria muito importante em um momento de crise como o nosso, mas é também pensar de modo mais inovativo criando um conteúdo digital que seja mais visível pelos mecanismos de busca. Isto mesmo, o Google é o deficiente visual mais famoso!

Para aprofundar este tema recomendo muito a leitura do livro do Reinaldo Ferraz, Acessibilidade na web, SENAC 2017. O livro digital está disponível na Amazon, Apple, Google, Kobo e Livraria Cultura.

Os livros digitais, sobretudo o formato ePub3, seguem de perto as recomendações da WEB por ser um formato baseado nos padrões reconhecidos pelo W3C. Portanto, muitas das regras válidas para a WEB valem também para o ePub3.

Um dos primeiros conceitos que precisa ficar claro desde o inicio é que a acessibilidade não é um acessório ao livro digital, como, por exemplo, pode ser as funcionalidades multimídia: “Temos um E-book vamos completar ele acrescentando um vídeo…”. A acessibilidade é um requisito básico do livro digital (e da WEB). Do autor a quem faz o cotejo do livro digital é importante que todos estejam conscientes disto.

Vou apresentar aqui, de modo resumido, algumas dicas práticas e muito úteis a serem consideradas quando fazemos a produção dos livros digitais acessíveis.

1. Todo texto deve ser disponibilizado em uma ordem de leitura lógica e significativa

Já fazemos isto, de alguma forma, quando produzimos um ePub, porém, precisamos estar mais atentos quando temos boxes ou quadros de textos que quebrem a narração. No livro impresso, sobretudo didáticos, é bem comum termos estes elementos aparecendo ao lado do texto como um complemento. No ePub precisamos colocar eles em uma ordem de leitura coerente e estruturada.

Conhecer bem a linguagem usada no ePub, o HTML, vai permitir fazer isto sem muitas dificuldades.

Você pode no seu E-book definir o que cada parte significa. Isso enriquece muito a publicação, seja para softwares que fazem leitura em voz alta, seja para softwares computação cognitiva que buscam informações diretamente dentro do texto.

Dica para quem trabalha na produção direta do arquivo: conheça o uso do epub:type e do WAI-ARIA. Estes atributos explicam o que o elemento é, por exemplo indicando que o texto em questão é um prefácio ou um capítulo do livro.

2. Separe sempre o conteúdo da apresentação

Isto é também é possível fazer usando corretamente as linguagens do ePub (CSS e HTML). Lembre-se: HTML serve para criar a estrutura do texto e é o CSS quem cuida da apresentação visual.

Outra anotação importante é a de não usar tabela para forçar uma formatação visual do texto. Mais importante ainda, não use somente as cores como indicação da importância de uma palavra. Quem não consegue vêr não vai saber sublinhar as palavras em amarelo!

Não use as marcações para definir design! Para isto existem as classes! Nada de “gambiarras”!

3. Uso de sumários e sistemas de navegação

Inclua sempre um sumário bem completo. Aliás, é possível incluir até mais de um sumário. Você pode assim especificar melhor os conteúdos presentes no livro.

4. Use imagens somente para imagens e não para tabelas ou texto

Bem, esta é uma prática que deveria ser evitada sempre. Quando colocamos um texto em forma de imagem automaticamente perdemos a possibilidade de utilizarmos em uma busca ou indexação de conteúdo e os softwares leitores não conseguem “ler” o que está escrito.

Caso seja impossível não usar uma imagem, acrescente uma descrição clara e objetiva. Para gráficos é possível optar por SVG que permite descrições de acessibilidade de conteúdo.

5. Use o tag alt para a descrição das imagens

Todas as imagens devem ser fornecidas com um texto alternativo. Este trabalho de descrição pode ser feito por uma empresa ou pessoa especializada, mas seria interessante que o autor esteja também envolvido neste processo de produção, afinal, é ele quem sabe a função principal daquela imagem.

Esta descrição da imagem pode ser feita diretamente no Photoshop, já na edição da imagem, ou dentro do inDesign.

O critério geral é simples. Caso use imagens forneça a descrição, caso use vídeo ou áudio forneça sempre uma alternativa em forma de texto ou legenda.

Se possui fórmulas matemáticas, tente usar uma linguagem específica para elas (MathML) ou ao mesmo uma boa descrição destas fórmulas. O mesmo vale para os gráficos.

6. Defina a língua do documento

Algo que em geral não se faz nos E-book, mas que é fundamental quando falamos de acessibilidade, é definir dentro do HTML principal a língua do documento. Ainda que esta já tenha sido definida nos metadados, você deve acrescentar também em cada documento a informação xml:lang= “pt” lang= “pt”.

Fique atento para não deixar no inDesign definições de língua perdidas. Tem muitos livros digitais produzidos com palavras ou frases inteiras em Armênio! Verifique que a língua esteja definida de forma correta.

7. Certifique-se que as indicações acima sejam realmente aplicadas

Não deixe de iniciar um processo dentro de sua empresa para que a acessibilidade seja implementada em toda a cadeia produtiva.

Desenvolva um guia de boas práticas e um bom checklist que ajude o designer e o desenvolvedor de livros digitais a aplicar todos estes recursos. Faça com que todos os envolvidos no fluxo de produção entendam bem o que é acessibilidade e saibam como implementá-la. Do autor a quem faz o cotejo do livro, é importante que todos estejam conscientes que acessibilidade não é um recurso, mas sim um requisito básico das publicações digitais.


José Fernando Tavares trabalha com livros digitais desde 2008. Com formação humanística, viveu 20 anos na Itália, onde atuou como gráfico e designer. Ali conheceu e se apaixonou pelos livros digitais. Fundou como sócio a Simplíssimo Livros e, no início de 2014, a Booknando Livros, uma empresa voltada à produção e à formação de profissionais da área com cursos e palestras sobre o tema.

Dá treinamento e consultoria para editoras e empresas. Com o curso “Técnicas de produção de livros digitais”, já contribuiu nos últimos 5 anos para a formação de mais de 1.000 profissionais da área.

É especialista em Design Instrucional, em UX Design e no formato ePub3 para publicações digitais acessíveis. Em 2016 foi escolhido como embaixador do Business Club da Feira do Livro de Frankfurt. É também tutor certificado do software Pubcoder para a produção de livros digitais interativos, WEB APP e aplicativos.

Atua também como professor universitário de Filosofia, ética e sociologia.

Ama uma boa macarronada com um bom vinho!

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