Projetos gráficos flexíveis para múltiplos formatos

por Lucas Camargo

A criação de projetos gráficos para livros digitais é bastante desafiadora, ainda mais se considerarmos uma realidade em que muitos projetos editoriais são concebidos para se tornarem livros impressos, e, depois, são “digitalizados”. Diante disso, gostaria de refletir sobre como podemos aproveitar os diversos formatos de E-book para a criação de um projeto gráfico flexível. Frequentemente, pensamos nos formatos como simples cópias de um modelo inicial (normalmente impresso), mas é possível desenvolver projetos gráficos que se adéquem ao formato conforme a necessidade.

Quando falamos em projeto gráfico flexível, será que significa, por exemplo, criar um arquivo EPUB que, na conversão automática para o MOBI, se adéque bem à tela e-Ink do Kindle? Sim, esta é uma possibilidade, mas não precisamos nos limitar a ela. Diante das possibilidades oferecidas por cada formato, existem casos em que é uma boa ideia formatar arquivos diferentes, aproveitando melhor o que cada tecnologia pode oferecer, seja o EPUB e o MOBI, ou mesmo o Layout Fixo e os aplicativos. O tempo de produção e, consequentemente, o custo podem sofrer alguma variação, mas há muito a se acrescentar à experiência do usuário, se pensarmos no universo de possibilidades que o mundo digital nos traz.

MODELO ÚNICO

Acredito que a primeira possibilidade a se analisar quando se trata de um E-book de texto fluido seja trabalhar com um modelo único, seguindo a ordem EPUB primeiro e, quando este estiver finalizado, utilizarmos os conversores automáticos para criar o MOBI. A vantagem disso é diminuirmos o tempo de produção e termos uma boa consistência no momento em que surgem atualizações para o texto.

Uma boa prática é ir implementando o layout e, ao mesmo tempo, já testar seu comportamento no Kindle. Para quem não conhece, a Amazon possui um visualizador Kindle que já exporta um arquivo .mobi: o Kindle Previewer. Seguindo as ideias de metodologia ágil, faça “entregas” periódicas ao Kindle para testar cada nova implementação.

Ao criar um E-book dessa forma, é importante que o projeto gráfico seja simples, abrindo mão de elementos gráficos complexos, que costumam funcionar bem nos livros impressos. Recursos como espaçamentos e alinhamentos diferenciados, por exemplo, costumam se comportar de forma diferente no Kindle.

VERSÕES DIFERENTES PARA EPUB E MOBI

Mesmo em um E-book de texto fluido, algumas situações pedem a produção de arquivos um pouco diferentes, seguindo a especificidade de cada formato.

Recentemente, aqui na Sociedade Bíblica do Brasil, criamos um E-book chamado Um ano com a Bíblia Sagrada,[1] um livro com 366 leituras selecionadas da Bíblia. Para este livro, conseguimos um banco de imagens ilustrativas para os textos. O projeto gráfico ficou bastante limpo e funcional em todos os dispositivos. Porém, logo esbarramos em uma questão: embora algumas ilustrações se repetissem, ao final, ainda tínhamos um total de mais de 250 imagens! Elas eram simples, P&B, então, conseguimos uma extensão de arquivo adequada e uma resolução boa para exibição tanto em um iPad com tela de retina quanto em um smartphone Android com tela menor. O arquivo EPUB fechado ficou em torno de 60 MB, mas ao convertê-lo para MOBI, o tamanho passou dos 150 MB! Não é um tamanho de arquivo muito recomendável, seja para o usuário fazer o download, seja para armazená-lo no aparelho. Diminuindo as imagens para uma resolução aceitável para o Kindle, as mesmas não tiveram uma resolução interessante para o iPad, o que nos forçou a criar versões de arquivos diferentes para os dois formatos. No arquivo MOBI, reposicionamos as imagens em relação ao conteúdo, para que pudessem ser redimensionadas fisicamente, e consequentemente diminuímos o tamanho do arquivo final de 150 MB para cerca de 55 MB.

Trabalhando com arquivos MOBI, há outras especificidades que, muitas vezes, podem ser retrabalhadas, além do tamanho das imagens: as margens, as imagens que aparecem lado a lado com o texto (recurso que, no CSS, é conhecido como float), as cores (já que os aparelhos e-Ink são monocromáticos), as fontes embutidas (mesmo fontes TrueType e OpenType apresentam alguns erros na conversão), entre outras.

Um bom caminho é seguir com a produção do EPUB, sempre observando as melhores práticas mencionadas anteriormente, fazendo o máximo parecido para as duas versões. É importante manter bem-definido o que será específico do MOBI e implementar, após o término da produção do EPUB, apenas estas especificidades, criando uma “versão 2” do EPUB, que será convertida posteriormente utilizando o Kindle Previewer.

OUTROS FORMATOS

Como estamos falando de diversos formatos para o livro digital, por que não pensar em outras possibilidades, além do EPUB e do MOBI, como o Layout Fixo e os aplicativos? Não caberia, aqui, detalhar como estes formatos são feitos, mas quero mostrar como um projeto gráfico flexível e bem-feito pode permitir extravasar a esfera dos formatos de texto fluido.

As restrições de formas complexas impostas pelos formatos de texto fluido são quase todas eliminadas com o Layout Fixo, que ainda possibilita áudio, vídeo, animações, diversas outras interações, entre outros recursos. Em relação aos aplicativos, os orçamentos para a produção de livros normalmente são muito limitados para incluir a produção de um app, mas acredito que não seja uma alternativa a se descartar, ainda mais quando existem tantos frameworks que auxiliam no desenvolvimento. Para o Layout Fixo, é possível criar o E-book utilizando o InDesign CC, que inclusive permite manter as páginas diagramadas lado a lado com um layout alternativo formatado para uma tela, por exemplo. Há ainda o PubCoder, um criador de livros digitais que possui, como opções de saída, tanto o Layout Fixo como os próprios aplicativos.

Quero aqui citar duas situações em que, na Sociedade Bíblica do Brasil, nós optamos por investir nos aplicativos, principalmente pelos aspectos de periodicidade, interação com o usuário, engajamento e agregação de diferentes conteúdos debaixo de um mesmo núcleo textual. Em relação à periodicidade, nós tínhamos uma publicação chamada Agenda de Oração, renovada ano a ano, a qual trazia informações de diversos países onde há trabalho de uma Sociedade Bíblica. Estas informações precisavam ser atualizadas todos os anos, apesar de o formato geral da agenda não sofrer muitas alterações. Isso nos levou a criar o aplicativo Oratio,[2] com o qual ficou muito mais fácil fazer as atualizações de conteúdo, além de alcançar clientes que antes nem sequer tinham como saber da existência da publicação, e ainda acrescentamos um recurso de leituras diárias de pequenos textos bíblicos.

O segundo exemplo está bastante relacionado à estrutura do texto bíblico e à forma como ele costuma ser lido, mas nos abriu muitas possibilidades de relacionamento com os clientes e criação de novos conteúdos — e acredito que essa experiência pode se estender a outras áreas. Trata-se do Biblia Plus,[3] um aplicativo desenvolvido em parceria com as Sociedades Bíblicas Unidas que, inicialmente, trouxe apenas o texto bíblico em várias versões e idiomas, com facilidades de navegação por capítulos e versículos e criação de destaques e notas pessoais, mas hoje evoluiu para uma verdadeira biblioteca, com a possibilidade de compra de notas e conteúdos de estudo dentro do aplicativo. Recursos de login e troca de informações com o usuário oferecem infinitas possibilidades de relacionamento com o cliente, aquela área após a conversão do cliente que muitos departamentos de marketing ainda insistem em ignorar.

OLHANDO PARA FRENTE

Falei aqui de opções de uso para os diferentes formatos, seja de texto fluido, Layout Fixo ou aplicativos, mas há ainda muitas outras possibilidades. Acredito que o universo digital nos permitiu repensar o próprio conceito de livro. Desde o surgimento dos livros digitais no Brasil, tenho visto as editoras olharem para este formato enxergando mais as limitações na adaptação do tradicional livro impresso do que as novas possibilidades que estes formatos trouxeram. Que tal começar a repensar nossas publicações a partir do projeto gráfico?


NOTAS

[1] http://www.sbb.com.br/um-ano-com-a-biblia-sagrada.html
[2] http://onelink.to/oratioubs
[3] http://biblia.plus/


Lucas Camargo – Formado em Análise de Sistemas e Desenvolvimento de Jogos Digitais e Design Gráfico. Trabalha na Sociedade Bíblica do Brasil (SBB) desde 2010, onde iniciou na área de Computer Assisted Publishing, um trabalho das Sociedades Bíblicas Unidas que busca na computação um auxílio para o processo editorial. Em 2011, passou a trabalhar também com livros digitais em formato EPUB e, desde então, vem atuando na digitalização do catálogo da SBB, na criação de novas publicações a partir do digital e no desenvolvimento de soluções em aplicativos e recursos web.

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