Por Claudia Scheer

Há uma variedade de produtos editoriais que, sem as devidas adaptações, não serão, de fato, úteis a quem tem deficiência visual.
Quando um cliente procura a Fundação Dorina Nowill para Cegos em busca de audiolivros, precisamos sempre entender se a ideia do cliente é que aquele seja um audiolivro acessível para pessoas com deficiência visual ou não. E, então, sempre surge a pergunta: mas qual a diferença?
Basicamente, qualquer audiolivro já disponibiliza, apenas pelo seu formato em áudio, certa acessibilidade. Dependendo do conteúdo do livro, não haverá todas as adaptações que o audiolivro normalmente necessita para que seja acessível a esse público. Há uma variedade de produtos editoriais que, sem as devidas adaptações, não serão, de fato, úteis a quem tem deficiência visual.
Primeiro, precisamos entender que esse público é composto por pessoas cegas, ou seja, que enxergam menos de 5% em seu melhor olho, ou pessoas com baixa visão, que enxergam menos de 30% em seu melhor olho, sem possibilidade de correção com lentes ou cirurgias. Cada pessoa terá sua quantidade de adaptações no que tange à acessibilidade e, quando tratamos de audiolivro, sempre precisamos pensar em alguém que não terá outro recurso para ter acesso àquele material.
Pense assim: se a pessoa que enxerga, chamada de “vidente” ou “exergante”, escuta um audiolivro que possui originalmente imagens e essas não são parte do áudio, mas estão disponibilizadas em um arquivo PDF à parte, – ou se essa pessoa tem muito interesse em ter acesso às imagens mesmo que não disponibilizadas -, ela tem a possibilidade de consultar o livro impresso ou outras fontes para ter acesso a elas. Mas, a pessoa com deficiência visual, dificilmente terá essas imagens acessíveis em outros canais. Assim como referências bibliográficas, glossários, dedicatórias e demais seções do livro que, normalmente, não entram no audiolivro comercial.
Portanto, o audiolivro com acessibilidade, anteriormente chamado apenas de livro falado, é uma adaptação do livro que comporta todos os elementos do produto original, da forma mais fidedigna, para que pessoas com deficiência visual tenham acesso ao conteúdo completo, incluindo a audiodescrição de imagens e leitura de tabelas por exemplo, que, às vezes, são essenciais à compreensão do conteúdo.
Além disso, normalmente, os players de audiolivros com acessibilidade são mais restritos, o que exige outras adaptações quanto ao tempo de cada faixa do livro e um padrão de nomenclatura que deixe ao ouvinte claro em qual capítulo ou parte do livro ele está navegando.
Além das imagens presentes dentro do miolo, a audiodescrição da capa é essencial, porque sim, muitos compram o livro apenas pela capa. Se ela teve todo um cuidado ao ser criada para ficar visualmente atraente ou condizente com o material, é essencial para que a pessoa com deficiência visual possa escolher também se quer ou não seguir a leitura daquele audiolivro a partir da mesma. Geralmente, essas audiodescrições são validadas por um consultor com deficiência visual, garantindo que o material de fato atende ao público destinado.
Ademais, a leitura de contracapa e orelhas também são incluídas logo no começo do audiolivro. Pois é, também através delas, que ele poderá fazer essa escolha, assim como qualquer consumidor que vá a uma livraria e leia a contracapa. Estamos falando de muitos trechos inclusos adicionalmente, mas que nem todos os livros possuem. Livros literários normalmente não possuem referências bibliográficas, imagens e esquemas no miolo que não sejam apenas ilustrativos, ou grandes apêndices. Portanto, muitas vezes, a diferença entre o “acessível” e o “comercial” é ínfima, e não tem grandes impactos nos custos.
Fora essas adaptações e inclusões, o processo de produção do audiolivro, sendo acessível ou comercial, segue o mesmo padrão. Essas etapas consistem na pré-produção do material, a escolha de vozes, a gravação em estúdios profissionais, e a edição e revisão por profissionais experientes.
Na última pesquisa de Cenários da Leitura Acessível de 2023, feita com pessoas com deficiência visual leitoras, realizada pela Fundação Dorina e Instituto Datafolha, 8 em cada 10 entrevistados leem pelo menos uma vez na semana, sendo o gênero literário o mais popular e audiolivros o formato preferido. Porém, também é o formato que esses leitores mais sentem falta no mercado para aquisição. Ou seja, esses leitores também são um público comercial e extremamente ativo.
É preciso que o mercado entenda que o “audiolivro acessível” também pode ser comercializado. Pode servir para outros públicos como pessoas com Dislexia, pessoas com Transtorno do Espectro Autista, com TDAH, idosos com dificuldades na visão e também pode ser utilizado por quem não têm qualquer deficiência ou dificuldade de leitura de texto. Se a adaptação do livro para o áudio permitir que as pessoas escolham a versão com ou sem a acessibilidade, ou permitir pular trechos da acessibilidade que não serão utilizadas por quem não tem deficiência ou interesse nas mesmas, conseguimos fazer uma única versão que atenda a todos os públicos que usam e gostam de audiolivros, o que torna essa versão muito importante para uma verdadeira inclusão social.
A maior diferença que precisa ser entendida entre os tipos de audiolivros aqui abordados é que o “audiolivro comercial” também pode ser o “audiolivro acessível”, com os dois formatos em um único produto, com acesso aos consumidores em geral, sem distinção e com equidade.
Claudia Scheer é Coordenadora Audiovisual e da Central de Formação da Fundação Dorina Nowill para Cegos.