Sobre acessibilidade e diversidade: do Brasil, com amor

Isadora Cal se juntaria ao Tech Forum 2020 em 23 de março para uma sessão chamada Tornando a literatura brasileira acessível e no dia 24 de março do estudo de caso: Audiolivros brasileiros.

Por Isadora Cal

Para mim, isto também é acessibilidade: ter acesso ao conhecimento, mas especialmente ao conhecimento diverso. Aprender de diferentes perspectivas, trocar experiências, ver o mundo através das lentes do outro. Você percebe que mesmo que sua ideia de inverno seja 20°C e a outra pessoa esteja enfrentando -40°C, ambos tiveram os mesmos problemas tentando encontrar uma solução para a navegação da Bíblia.

Na minha opinião, o mundo é um lugar melhor com acesso à internet. Há certamente algumas desvantagens (notícias falsas se espalhando mais rápido do que algumas epidemias, por exemplo), mas na maioria das vezes há vantagens. Como o fato de eu poder fazer uma pergunta no Twitter usando a hashtag #a11Y e obter respostas de todo o mundo em minutos, ou como posso acessar sites como Reddit ou Github e encontrar informações muito específicas que ninguém ao meu redor tem.

Se você fala inglês, você pode fazer parte de quase tudo online. Se você é brasileiro, você pode ter um amigo chinês, pois as chances são de que ambos possam se comunicar em inglês. Tudo isso nos faz sentir conectados, como se fôssemos um só. Mas nós não somos – e isso não é uma coisa ruim.

Deixe-me explicar – e tenha paciência comigo enquanto eu apresento o assunto. Em 2019 eu tive o privilégio de participar pela primeira vez do ebookcraft e do Tech Forum. Foi um privilégio não só porque o evento em si é ótimo, mas porque ir do Brasil para o Canadá é caro, não importa a circunstância. Foi a primeira vez que participei de um evento fora do Brasil. Na verdade, foi o meu primeiro grande evento de tecnologia. Antes do evento, eu achava que sabia onde procurar por respostas. Às vezes eu lia alguma matéria escrita por alguém da indústria e pesquisava sobre o autor no Google, encontrava seu e-mail, LinkedIn ou Twitter, depois entrava em contato para perguntar algo – só para ser ignorada na maioria das vezes. Assinei as newsletters da Publishers Weekly, The Bookseller, The New Publishing Standard, e assim por diante. Acompanhei as pessoas nas mídias sociais. Eu achava que estava conectada e que a razão pela qual eu não era bem-sucedida ao alcançar pessoas ou algumas empresas era porque eu era muito jovem e ninguém sabia quem eu era. Porém eu estava errada. Algumas trocas funcionam melhor pessoalmente, como assistir a eventos profissionais e conhecer pessoas lá. De repente, no ebookcraft e no Tech Forum, eu estava conversando com muitas pessoas que sabiam de muita coisa, e eu me senti a pessoa mais sortuda do mundo. Conversei até com Ashleigh Gardner (do Wattpad) cujo trabalho eu vinha acompanhando e admirando há algum tempo e que nunca teria esperado encontrar pessoalmente. Muitos cartões de visita foram trocados e novos amigos foram adicionados no LinkedIn e Twitter, mas o principal para mim foi o quanto aprendi: como outros profissionais lidam com as questões que eu tenho; como as tecnologias emergentes estão tentando melhorar a indústria; e o que há de novo lá fora.

Eu amei o Canadá, e amei ainda mais como os canadenses são agradáveis e acolhedores. Sempre que alguém no evento descobria que eu era do Brasil, eles ficavam muito surpresos. Amigáveis, acolhedores, mas muito, muito surpresos. Por que eu tinha vindo de tão longe? Será que valia a pena? Só depois de responder a mesma coisa pela quarta ou quinta vez é que eu entendi que, para a maioria dos participantes, eles viam na conferência talvez como um evento canadense. Não num sentido que seja apenas para canadenses, mas como num evento que tem como foco o mercado canadense. Mas para mim foi um evento internacional. Conheci pessoas de diferentes culturas, culturas que têm comportamentos diferentes no mercado. A maioria das apresentações que eu vi foram totalmente internacionais. Estamos falando de publicação digital: metadados, ONIX, BISAC, EPUB3, programação – todas essas coisas são iguais em qualquer lugar do mundo. Eu pude trazer todos os cases da indústria editorial canadense para o Brasil para compartilhar com colegas e com todos com quem eu pudesse conversar. Eu passei meses falando sobre ebookcraft. Fiz um post para o blog do Bookwire na esperança de convencer outras editoras a participar da conferência de 2020.

E aí eu vi estavam aceitando inscrições para apresentar no evento em 2020. Achei que não tínhamos nenhuma chance (eu e Joana, a Head of Account Management aqui na Bookwire), mas pensamos que talvez as pessoas gostassem de vivenciar o mesmo que nós. Talvez eles gostassem de ouvir como as coisas são feitas em uma cultura diferente; talvez eles quisessem conhecer o estado da arte em países que não falam inglês. Talvez fosse bom mostrar que não somos um, na verdade somos muito diferentes, mas a magia é que ainda podemos nos conectar e, através de nossas experiências compartilhadas, podemos aprender muito uns com os outros.

Joana e eu fomos as únicas participantes da América Latina no ano passado, se não me engano, mas espero que a partir de agora mais pessoas de outros países participem do evento, e que mais pessoas possam se apresentar. Não tenho ideia de como é o mercado editorial digital na África, e ela é um continente inteiro! Como é para os países que têm alfabetos diferentes? Será que todos os dispositivos funcionam? Por que não consigo encontrar muita coisa online sobre publicação digital em Portugal, apesar de falarmos a mesma língua? Como os artistas e editoras se beneficiam dos webtoons no Japão? O Japão está tornando as mangas acessíveis?

Para mim, isto também é acessibilidade: ter acesso ao conhecimento, mas especialmente ao conhecimento diverso. Aprender de diferentes perspectivas, trocar experiências, ver o mundo através das lentes do outro. Você percebe que mesmo que sua ideia de inverno seja 20°C e a outra pessoa esteja enfrentando -40°C, ambos tiveram os mesmos problemas tentando encontrar uma solução para a navegação da Bíblia em EPUB. Ou que enquanto alguns lidam com Trudeau e outros com Bolsonaro, eles têm cargas iguais de EPUB2 que têm que ser convertidas em EPUB3.

Foi uma honra ter sido selecionada para falar no Tech Forum este ano, e espero que ele inspire mais pessoas fora da América do Norte a submeter suas propostas. Eu ouvi de algum CEO (não posso dizer quem) que o ebookcraft e o Tech Forum éo melhor evento se você trabalha com livro digital. Foi assim que eu acabei indo no ano passado e não fiquei desapontada. Isadora Cal ia falar mais sobre acessibilidade e audiolivros no Tech Forum nos dias 23 e 24 de março de 2020, em Toronto, mas ela estará do Esquenta Primavera da LIBRE no dia 29 de junho às 20h30 na mesa Como cegos leem.


Isadora Cal tem mestrado em Editoração pela Oxford Brookes University e atualmente está terminando um MBA em Business Intelligence e Análise na FIAP (São Paulo, Brasil). Trabalha na indústria editorial há 10 anos, com experiência em revisão, edição de cópias, marketing digital, publicação digital e, mais recentemente, em análise de dados. Iniciou o Projeto de Acessibilidade na Bookwire após cursar seu primeiro ebookcraft em 2019.

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