Por Bruno Zolotar
Acredito que o audiolivro é o futuro, assim como o livro digital é o futuro, assim como o livro em papel, bem caprichado também é o futuro. Da mesma forma como as emissoras de televisão e empresas produtoras de conteúdo.
Há poucos dias eu estava conversando com a Mariana Souza que é quem gerencia livros digitais e audiolivros da Rocco, acertando os detalhes das ações de marketing para o lançamento do audiolivro de Jogos Vorazes, de Suzanne Collins, grande sucesso da editora, que esse ano completa 10 anos da primeira edição em papel no Brasil.
Montando o cronograma, estávamos conversando sobre a “carpintaria” para fazer um audiolivro, do trabalho de escolher a voz, as revisões, as “emendas”. Quem ouve não deve nem ter ideia do complicado “making off” do formato. Dá trabalho, mas num mundo como o de hoje é fundamental testar novos caminhos.
Acredito que o audiolivro é o futuro, assim como o livro digital é o futuro, assim como o livro em papel, bem caprichado também é o futuro. Da mesma forma como as emissoras de televisão e empresas produtoras de conteúdo, no médio prazo, as editoras vão ter que se transformar em “media techs”, explorando diferentes plataformas para o seu conteúdo. Seja em papel, livro digital, audiolivros, cursos, licenciamento, aplicativos ou o que vier pela frente. O importante é oferecer comodidade, diversidade e conveniência para alcançar um público mais amplo, que muitas vezes não é aquele tradicional de livros.
Há anos atrás fiz um lançamento de um livro do economista Eduardo Moreira em que, de certa forma, ele homenageava um famoso adestrador de cavalos, quase uma lenda, que era o Monty Roberts. O próprio Monty estava no evento na Livraria da Travessa no Rio e coincidentemente ele tinha um livro publicado por outro selo da mesma editora em que eu trabalhava. Estávamos num canto, esperando o Eduardo terminar de autografar e emendei num papo sobre mercado.
Perguntei a ele como eram as vendas dos seus livros na América. Para a minha surpresa, ele me contou que seu o maior público era o de caminhoneiros. E mais, me disse que era um público de audiolivros em CD. O cara enfiava o CD no rádio e ouvia por horas seguidas um livro, enquanto dirigia. Eram outros tempos aqueles e aplicativos ainda não existiam. A era do audiolivro “raiz”.
Mas o mais importante desse depoimento não é a tecnologia, nem o suporte, mas o que o formato agregava para o autor. Se não fosse essa versão em audio, Monty Roberts não teria esse público que não era o típico frequentador de uma Barnes & Nobles. Esse público que ele trouxe, provavelmente mais tarde consumiu outros autores no formato e quem sabe até comprou livros em papel ou um Kindle.
Vai longe a época em que os formatos digitais dos livros eram considerados uma ameaça à indústria. Hoje eles são um complemento importante e não canibalizam, pelo contrário, somam nos números de cada título e ainda permitem um teste informal de mercado para autores e conteúdos, através da auto publicação. A venda desses formatos, para algumas editoras já representa, no Brasil, o faturamento de uma rede média de livrarias físicas.
E é muito Interessante ver como cada formato é consumido. Conheço muitos executivos que abandonaram o livro de papel e adotaram seus Kindles e Kobos pela praticidade, pela conveniência e pelo pouco peso. Os “heavy users” de livros de negócios, por exemplo, mal esperam os livros chegarem aqui. Olham a lista do New York Times e baixam o título que lhes interessa para começar a ler em inglês mesmo. Conheço gente que não gosta de ler, mas dirige ou que no auge da pandemia lavou muita louça e limpou muita casa, ouvindo audiolivros.
Formatos digitais também trazem vantagens para marketing. É possível juntar séries ou livros afins em combos que você faz em poucos minutos, colocar extras novos, ativar séries antigas que você quer fazer com que alcancem novos públicos com uma promoção de preço ou cupom, promover maratonas de autores e leituras coletivas online.
Outro dia vivi na Rocco um caso muito interessante com um livro nosso. A NETFLIX ia lançar a versão cinematográfica de Eu Estou Pensando em Acabar com Tudo, de Ian Reid. Poucas semanas antes a escritora e influenciadora digital Pam Gonçalves, preocupada com o número de pessoas que andava sem concentração para ler, começou a desenvolver uma dinâmica muito interessante com o seu público. Ela escolhia um livro, marcava um horário para começar e terminar a ler trechos e todo mundo lia ao mesmo tempo o seu livro, cada um em sua casa, varando a madrugada. Para dar tempo de todo mundo ter o título, indicou o link do livro digital num varejista eletrônico. A venda do e-book em função dessa ação, mais toda a mídia em torno do filme, colocou o livro nos 10 mais vendidos da Revista Veja, que tem uma lista que condensa as vendas dos dois formatos.
Estamos num mundo paradoxal. Ao mesmo tempo em que o fetiche das edições de papel persiste e edições caprichadas são disputadas pelo público e chegam ao topo das listas dos mais vendidos, muitas vezes consumidas por jovens, o digital amplia nosso mercado para fronteiras e consumidores, que vão muito além da nossa imaginação. Dos leitores que precisam ler coletivamente até os motoristas que querem espantar a solidão e o tédio dos dias inteiros ao volante nas Rotas 66 da vida. É um admirável mundo novo de possibilidades com tudo junto e misturado. Vai ganhar quem souber trafegar por todas as estradas, assim como os caminhoneiros do Monty Roberts.
Bruno Zolotar é publicitário. Trabalha há mais de 30 anos na área de vendas e marketing. Começou na indústria de bebidas destiladas e vinhos, passou por consultorias e há 13 anos está no mercado editorial ocupando cargos de chefia no Grupo Editorial Record, Somos e na Rocco, onde atualmente é Diretor Comercial e de Marketing. Também é professor de marketing do livro da Universidade do Livro, da pós-graduação da NESPE no Rio, e “tarado” por números do mercado e estudo do comportamento do consumidor.