Livro de verdade, vocês têm?
por Eduardo Melo
“A gente queria o livro ‘de verdade’, vocês têm?”
“Minha senhora, como assim? O livro é ‘de verdade’…”
“Ah, eu sei que vocês têm ele eletrônico, mas queríamos ele ‘de verdade’, entende?”
Esse foi o diálogo telefônico que travei com uma livreira, semana passada. Ela queria dois exemplares, impressos, de um ebook publicado pela Simplíssimo. Só para contextualizar, a Simplíssimo, hoje, é uma empresa que produz e publica ebooks para autores e pequenas editoras. Ainda estamos começando com a impressão sob demanda, então pouquíssimos livros possuem versão impressa. Somos, embora por pouco tempo, uma empresa exclusivamente digital.
Não discuto que as pessoas prefiram o papel, ao digital, nem que os pequenos livreiros temam pela sua sobrevivência, se o digital avançar para valer. Porém, a forma como eu ouvi a pessoa do outro lado da linha questionando onde estava o produto real, o livro “de verdade”, me deu o estalo para algo que sinto quase todo dia, inclusive no feedback de leitores: pessoas extremamente “conectadas” e integradas no sistema Facebook-Whatsapp-Twitter, ainda consideram o livro digital um produto de segunda categoria, inferior mesmo. O que é totalmente paradoxal. E nem um pouco isolado. Como a Simplíssimo publica majoritariamente ebooks de autores (self-publishing), desenvolvemos uma ferramenta de venda direta para eles. Pelo menos uma vez por mês, acontece de algum leitor nos escrever perguntando “quando vou receber o livro em casa”, pois “o correio ainda nao entregou” — isto que sinalizamos com muita clareza que vendemos apenas ebooks…
Há anos debatemos por que as vendas de ebooks não decolam. Sempre considerei que as principais barreiras fossem o preço individual dos exemplares, sem grande desconto em relação às versões impressas… ou a questão do acesso aos smartphones… até a competição pura e simples pelo tempo das pessoas, cada vez mais dedicadas a seus feeds e seriados e YouTubers e o escambau. O tempo passa, as hipóteses mudam, o problema sempre o mesmo. Estou completando, neste fim de ano, dez anos trabalhando com livros digitais. Quando comecei, basicamente se fazia uns PDFs com visual diferente e a gente chamava de livros digitais… autografei CDs e pendrives com arquivos dentro, vi gente autografando em ebook com assistência de um notebook e dois assistentes ao lado do autor… no fim as coisas se acomodarem em torno do ecossistema ePub+livrarias… e em 2017 as pessoas ainda tratam o ebook como patinho feio (só para não citar o McLuhan pela enésima vez).
Somando estes “causos” com os frequentes anúncios da “volta dos impressos”, de que os ebooks “não deslancham”, do fetichismo interminável de um sem-número de usuários de redes sociais quando se comenta algo sobre ebooks, a sensação que tenho é que paira uma enorme barreira, mental, subjetiva, impedindo a maior adoção dos ebooks no Brasil. Vai além de questões econômicas, sociais, tecnológicas. Países onde os e-books começaram mais tarde, ou na mesma época em que começaram no Brasil, já estão chegando (ou já chegaram) num ponto onde o ebook tem uma participação relevante no mercado — Alemanha, Espanha, Itália, Holanda… Não me atreveria a definir exatamente o que é esta barreira, mas as palavras que me vem à cabeça são: preconceito, ignorância, tradicionalismo, educação deficitária, conservadorismo. Nestes países, ebooks não são radicalmente mais baratos, as pessoas consomem filmes e seriados, dedicam tempo aos seus feeds… e nada disso impediu que mais pessoas lessem e consumissem mais ebooks.
(E o argumento de que os países que citei acima são “ricos” e o nosso, “pobre”, não bate — em números absolutos, temos o mesmo número, ou mais, de pessoas com poder aquisitivo para adquirir e consumir tecnologia, que estes países citados.)
Enfim, para finalizar esta reflexão profundamente pessoal, um dado recente que faz parte do quebra-cabeça da adesão aos ebooks, e também logicamente de outros problemas bem maiores:
“O Instituto de Estatísticas da Unesco alerta, em informe recente, que grande parte dos jovens da América Latina não alcança níveis apropriados de proficiência em leitura. São 19 milhões de adolescentes que concluem o ensino fundamental sem conseguir ler parágrafos simples e deles extrair informações, num fenômeno que Silvia Montoya, dirigente do instituto, chama de ‘nova definição do analfabetismo’.
(…)
Aqui [no Brasil], só 30% dos alunos saem do 9º ano com aprendizado adequado em leitura e interpretação, de acordo com dados do Inep. É menos que a média da América Latina, que tanto chocara Silvia Montoya.” (Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/claudia-costin/2017/10/1930651-o-novo-analfabetismo-ou-deformando-cidadao.shtml)
A trajetória do livro digital no Brasil ainda tem muito espaço e tempo pela frente. Resta ver até onde será possível ir.
Eduardo Melo – Desde 2007 trabalhando com ebooks, é graduado em História pela UFRGS e mestre em Letras pela PUCRS. Fundador da Simplíssimo, empresa pioneira na produção de ebooks. Liderou diversas iniciativas para a difusão do livro digital no Brasil, como as Conferências Revolução eBook (2013-2014), o projeto Faça um eBook na Escola (2009-2010) e a ONG digital Editora Plus (2007-2008)..
Something to consider, Eduardo, is the role of the self-publishing movement in making ebooks a success in other countries.
In the US and UK especially, thanks to a shared language, ebooks took off because of the high volume of low-priced ebooks on offer from self-publishers who flooded the market with not just inexpensive titles but also countless works that have no print equivalent (short stories, novellas, etc) and, perhaps most importantly, a much wider choice than that offered by mainstream publishers playing safe with big name authors and proven genres.
In Brazil the self-publishing volume will inevitably be much lower, with domestic supply limited in part by the literacy and reading issues you raised, but also by the fact that there is no volume of translated material feeding through.
When Anglophone indie authors look at translations they invariably turn to French, German, Spanish and Italian (and struggle to make sense of Brazilian and European Portuguese differences).
Tradução cortesia do Google Tradutor. Desculpas por quaisquer deficiências.
Algo a considerar, Eduardo, é o papel do movimento de auto-publicação em tornar os ebooks um sucesso em outros países.
Nos EUA e no Reino Unido especialmente, graças a uma linguagem compartilhada, os ebooks decolaram por causa do alto volume de ebooks de baixo preço oferecidos por auto-editores que inundaram o mercado com títulos não apenas baratos, mas também inúmeras obras que não possuem equivalente de impressão (histórias curtas, novelas, etc.) e, talvez o mais importante, uma escolha muito mais ampla do que a oferecida pelos editores mainstream, com segurança, com autores de grandes nomes e gêneros comprovados.
No Brasil, o volume de auto-publicação será inevitavelmente muito menor, com o suprimento doméstico limitado em parte pelos problemas de alfabetização e leitura que você levantou, mas também pelo fato de que não há nenhum volume de alimentação de material traduzido.
Quando os autores indigentes anglófonos observam as traduções, eles invariavelmente se voltam para o francês, o alemão, o espanhol e o italiano (e lutam para entender as diferenças portuguesas e européias).
Hi Mark. I follow Smashwords & Mark Coker since their very first days on ebook business, and we have nothing like that in Brazil — specially, as you say, in terms of volume. We are far away from that… Amazon is pushing hard for authors to use KDP, Wattpad is getting some traction here… but all too small yet, to have a relevant role, like other countries. Simplíssimo manage today around 700 hundred ebooks, mostly by self-published authors, and only a tiny fraction of them achieve meaningful sales — and mostly non-fiction ebooks, the opposite of what you saw/see with English-written self-pub ebooks. Brazilian people, overall, seems to me, have a sadly distant relationship with books. I think you could flood them with cheap, even free books, and they would rather stay on Facebook than actually start a book. Thanks for raising this subject!